Sem título 2

Sou pobre. Sou pobre e alegre.

Durante meu dia tenho momentos em que me dá vontade de virar ladrão.
Isso não significa que nunca roubei nada.
Roubei, sim.

E roubo, se tiver chance e não houver risco de entrar em cana.
Quero roubar mas não ser preso.
Espero que não seja pedir muito.
Não me daria bem dentro duma cadeia.
Cadeias estão lotadas de assassinos, vigaristas de todo naipe, estelionatários.
E outros ladrões.
Quero ser o único a roubar e, se for preso, o único preso.

Sou pró-ativo e conformado.
Psicanálise é melhor que nada. Melhor que ver televisão, melhor que desperdiçar meus dias em fóruns na internet.
O progresso, porém, é o nosso destino.
Tudo -- a natureza, as pessoas a quem amamos, nossos instintos e nós mesmos -- tudo nos impulsiona à frente. Este é um mundo sem alternativas.
Estamos condenados não a mudar e sim evoluir.
Rumo ao dia de baixarmos ao túmulo.

Insensatos há que participam de ações como a Marcha com Deus pela Liberdade, a Coluna Prestes, a Marcha Húngara, Fidélio.

De todas as viagens e odisséias e evoluções e paradas militares e desfiles de escola de samba e travessias pela rua numa nublada manhã de abril, a minha preferida é a Marcha de Sísifo.

Sou pobre.
Pobre mas alegre.

Tenho índole de ladrão.
Sou rancoroso
e sufocado.

Bebo, como, espero além da conta.
Como todo bêbado, bebo para fingir que disciplino o caos.
Como todo comedor, como para ter energia e, assim, poder esperar.
Quando bebo, como e espero, obediente qual menino do jardim-de-infância (jardins-de-infância existiram? ou foram rodopios num gira-gira impossível de sonhos e pesadelos sob um nome sublime?), quando bebo, como e espero disciplinado e obediente, enceto resignado minha marcha e sublime e resignado cometo uns poemas.
Que, quando estou sóbrio, esfomeado e desesperado, me dão nojo.
Me recuso a acreditar que foi um bêbado, disciplinado, obediente, marchador, nostálgico e vencido que os cometeu.

No meu jardim-de-infância de marmanjo me equilibro em minha gangorra.
Sou um marchador, nostálgico e vencido conformado com a minha natureza, a minha vocação, a minha angústia.
Quando estou ébrio, quando estou em trânsito, semeio minhas ervas daninhas pelos jardins.

Os jardins não gostam de mim. Não gosto deles.
Me sinto uma ratazana em jardins.

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