Como aprendi a aceitar a existência de gatos

Era ontem à noite. Passando pouco das onze. Estava parado em pé no alpendre, olhando as folhas do jardim, que no escuro brilham em negro. Escutava ruídos diversos da vizinhança e da rua, esperando a noite passar, desconfiado de que ela jamais passaria.

Dava a última tragada no toco de cigarro, ponderando se acenderia outro em seguida ou se devia esperar mais dois minutos. Decidi que continuaria a esperar sabendo que não.

Foi quando escutei um movimento sorrateiro encima do forno a lenha. Me voltei na direção do ruído e levei um susto.

Ele me fitou, meio admirado com meu sobressalto, meio imperturbável naquela frieza natural da espécie e retomou o que fazia antes de chamar minha atenção. Brandia uma pata nas reentrâncias das telhas, provavelmente à caça duma pequena presa.

Peguei meu farolete e fui averiguar.

-- Se for um dos meus amiguinhos sabiás-laranjeira -- ameacei --, te enxoto a vassouradas, seu sanguinário.

Ele não deu a mínima para a ameaça e continuou a cutucar as frestas.

"Hora de outro cigarro", me lembrei.

Desviei os olhos na direção da mesa para ver onde estava o maço e quando tornei a olhar encima do forno, ele tinha evaporado na discrição natural da espécie.

Nenhum comentário:

Postar um comentário