Desço a rua sonhando, dobro a esquina sôfrego por fazer os mais arrebatadores versos da minha vida.
Fogos-fátuos me cruzam a mente, deixando rastros que a consciência erradica e palavras que os pensamentos voam a banir.
Na forja mecânica dos meus versos arrebatadores, minha memória acode, tentando me salvar. Diz que um dia me recostei a esta parede desta casa desconhecida. E os tais versos aconteceram.
Lembra que estava zonzo. Que cobri com mão trêmula a testa que suava febril. Que ao longo de curtos segundos pude espiar por uma fresta e, qual um intruso a bisbilhotar o proibido, vislumbrei a maravilha brotando feito mina mágica.
Mas, insaciável, me demorei mais do que a maravilha se deixa apreciar.
Terminando por matar minha memória, única testemunha.
Onde se escondeu aquela beleza? – é tudo que me ocorre perguntar.
A memória morta re recusa a responder.
Só me resta um último recurso: a imaginação.
Intréprida mas solitária, ela sugere que posso confeccionar uma placa de bronze e afixá-la imaginariamente a esta parede desta casa desconhecida. Talvez assim consiga ressuscitar a memória e refazer meus passos, voltar à rua que descia quando tudo começou.
De repente arrebenta no céu uma tempestade. Sem qualquer prenúncio. A brisa não se converteu em vento, as nuvens não toldaram a luz. Uma tempestade sorrateira.
Não há chuva, não há trovões, não há relâmpagos. Uma tempestade muda e invisível.
Ainda recostado à parede, enfio as mãos nos bolsos das calças.
Meus dedos apalpam o bloco de notas que sempre carrego para essas deflagrações súbitas.
Enquanto a tempestade muda e invisível desata sobre mim e sobre o mundo o mais ameaçador dos vazios, crispo os dedos no bloco de notas como se fosse um rosário. E desarrebatado rezo pela salvação dos meus versos arrebatadores.
Me desencosto da parede, enfio as mãos nos bolsos, apalpo o caderninho.
Talvez amanhã volte a descer a mesma rua e pare na mesma esquina e reze novamente minha prece inútil.
Enquanto me afasto, passo pela porta da casa desconhecida, tenho vontade de bater à porta.
E quando alguém atendesse, perguntar se é comum estranhos pararem nesta esquina e empalidecerem.
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