Una furtiva lagrima


Reiteradamente incorremos em brutais fracassos e nem por isso desistimos. Aprendemos a duras penas a conviver com nossas dolorosas insuficiências perante os desafios. Sabemos que nascemos com defeitos insanáveis que nos afligem até o último dia de nossa existência. Guardamos em algum lugar dentro de nós algo sombrio com que não nos atrevemos a mexer, temerosos de despertar uma fera.

Mas de todas nossas imperfeições há uma que é a pior: não saber chorar. Trata-se de verdade elementar, que só estamos aptos a aprender após uma certa idade, quando já acumulamos experiência suficiente para saber que poder chorar é um dos únicos bálsamos que a natureza nos concedeu para tolerar nossas dores.
Aprender a chorar deveria fazer parte do currículo de todas as escolas de primeiro grau do país. E deveria ainda ser matéria classificatória, que reprovasse o aluno relapso. O exame mensal seria aplicado de surpresa.
– Zezinho! – convocaria o professor. – Prova de choro! Vamos à sala do soluço.
Sim, naturalmente, há uma sala especial para os exames – sala à prova de som e da curiosidade alheia, decorada com simplicidade, paredes em cores neutras, uma mesa, algumas cadeiras espalhadas com desleixo estudado.
Mas o professor não se limitaria a ordenar uma simulação de caretas crispadas e soluços de sofrimento, dizendo simplesmente, “dá um choro aí, menino!” Isso qualquer criança bem ensaiadinha é capaz de fazer. Não, o aluno teria de chorar de verdade, demonstrando dor genuína partindo do fundo da alma. Se tivesse dedicado os esforços necessários a entender a matéria durante o ano letivo, o gurizinho certamente não teria dificuldades em ser aprovado.
– Sente-se aí. – diria o professor. – Pode começar.
– Não tenho motivo para chorar hoje, professor.
– Está bem – compreenderia o magnânimo mestre. – De fato, se não há motivo para chorar, não choremos. Apelemos então para alguns estímulos externos. Vejamos… – O professor se lembra de que o Zezinho era vidrado na Soninha. Seu rosto se ilumina e ele dispara: - A Soninha não gosta de você!
O menino olha desconcertado o mestre, sem saber como digerir aquele impacto no peito.
“Ui!”, pensa, “essa doeu.” E se põe a chorar as lágrimas mais sentidas que jamais vertera. A vozinha se transmuda num fiozinho lamuriante que tartamudeia palavras desconexas, os olhinhos quase que se fecham entre as sobrancelhas franzidas e os pomos retesados. Zezinho é a encarnação do sofrimento amoroso. Seu rosto se transfigura numa careta de padecimento, olhos vermelhos e inchados, narinas dilatadas, rugas tão profundas na testa, que só a dor pode provocar.
Corta o coração vê-lo ali tão obediente, mortificando-se para atender aos sádicos mandos do mestre.
– Muito bem! – elogia o professor. – Nota dez. Devo confessar que você é meu melhor aluno, Zezinho. Ah, se todos os outros fossem bons assim. Pode retirar-se. E não se esqueça: vá se preparando para a prova final em dezembro.
Fôssemos um pouco mais sábios, exigiríamos que os governos instalassem choradouros em praças públicas, nos grandes supermercados, a cada quilômetro nas estradas.
Choradouros.
Nas esquinas, ao lado dos orelhões.
Os choradouros poderiam funcionar de acordo com as leis do mercado, com propaganda na TV, guerra de preços, etc. “Chore suas misérias n’O Chorão!”, talvez fosse um bom slogan, naturalmente encimado por um frondoso e verdejante (e choraminguante) salgueiro.
Poder-se-iam desenvolver cadeias de choradouros e sistema de merchadising, com os quais os americanos certamente espalhariam lojas de verter lágrimas por todo o planeta, os MacWeepers.
Para aproveitar a onda, os governos poderiam criar milhares e milhares de novos empregos, treinando especialistas para trabalhar nos choradouros, técnicos em induzir o choro. Poderiam chamar-se “lacrimeiros”, “choroindutores”, “encosta-no-meu-ombro”, ou coisa do tipo.
Talvez a ciência até mesmo pudesse vislumbrar um destino útil para as lágrimas, que poderiam ser recolhidas e armazenadas em tubos ou frascos de vidro. O produto lacrimal seria aproveitado na indústria químico-farmacêutica para a fabricação de produtos veterinários, fertilizantes, e assim por diante. A lágrima talvez tenha um insuspeito potencial tecnológico sobre o qual meus parcos conhecimentos acerca das propriedades das matérias não me permitem especular.
Outra utilização a ser inventada por esses incríveis cientistas com seus formidáveis cérebros de bilhões de neurônios a mais do que nós, simples chorões, encastelados nesses fabulosos laboratórios que tudo podem, seria um método científico, eficiente e simples de implantar os choradouros em cada lar do País.
Ou, simplificando ainda mais, poderiam inventar a pílula do choro. Tome ½ de manhã e ½ antes de deitar.
No começo seria meio difícil de vender, pois ninguém gosta de chorar. Mas logo se tornaria um campeão de vendas. Choro para todos (que possam comprar a pílula), a qualquer hora, em qualquer lugar. Choro para a madame, para o cavalheiro, para a guria, para o rapazinho. Choro à vontade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário