Sono

 

Nesta noite zonza me deito

Pulgas grudadas à minha pele, está aberta a sessão: se estufem do meu sangue enjoativo
Enquanto
Tiro as luvas que pelo avesso roçaram seios imaginários
E jogo longe os sapatos que pisaram chão proibido
E arranco os óculos que enxergaram o supérfluo invisível
E tampo os ouvidos que escutaram as razões alheias
E proscrevo a cabeça que imaginou o estômago engolindo a cabeça que imaginou o estômago
E estendo as pernas da carapuça
E cruzo os braços da carapaça
E calo quanto à alma, de que não há que dizer nesta zonza noite inútil ou em outras zonzas inúteis noites
Mas vos posso assegurar, pulgas grudadas à minha pele, roubando de mim vosso néctar envenenado
Que meu passado se reafirma a cada novo instante
E, sendo tudo que me resta
Entôo esta prece:
Do peso dos meus ombros me livrai
E fazei leve e de tão leve permiti que ao me deitar
Etereamente zanze por este quarto sepulcral
Por esta casa fatídica
Por estas ruas desaparecidas
Por este céu irrespirável
Sem onde poder cair
Nem como ressuscitar

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