O fim está começando



Devemos lamber a urina, mijar o mel
Não, não é isso que devemos dizer
Pois, loucos, não devemos agir como tal

Devemos lamber o mel, mijar a urina
Enlevar nossos corações com o canto da chuva
Para que nosso sono seja livre de sobressaltos,
pesadelos e, se quisermos ser felizes, sonhos

Devemos observar a suprema lei de Darwin
E nos conformar com nosso papel de espiões

Devemos nos precaver, armando nossos olhos com perspicácia felina
Calçando nossas mãos e nossos pés com garras de vampiro
Ocultando nossas caretas com a máscara do chimpanzé
Disfarçando nossa voz com o falsete do ventríloco
(que, operador de milagres, fala, veja só, fala pela mais insondável das cavernas: o ventre)

Devemos olhar o céu e, fingindo afundar neste mar de mistério que nos rodeia que de mistério não tem nada, perguntar às paredes o que fazem os astros parados lá em cima, que é que os pássaros tanto alardeiam, aonde vão as nuvens, de onde vem o vento e outras perguntas inúteis
Mas, não sendo loucos, evitamos inquirir por que não nos foi dada a graça de ter asas
(a resposta seria tão decepcionantemente simples: porque, a despeito da vocação para as alturas que as professoras tentam nos impingir desde a primeira aula, não queremos voar)

Assim, devemos desempenhar as funções que nos cabem
(de preferência, sem duvidar muito dos verdadeiros propósitos das funções que nos cabem; pois devemos ter pena dos condenados à metafísica)

Mais que tudo, devemos nos sentar na sala e, sem o suplício da procura, fingir que estamos insuportavelmente acompanhados da nossa doce dama chamada solidão


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