Insuficiência lírica

Hoje acabei de consumar algumas ideias que vinha desenvolvendo suavemente dentro do meu cabeção endomorfo.
Bem, acho que descobrira fazia tempo.
A saber: as razões pelas quais a maioria das pessoas pensa gostar de poesia.
Não vou enumerar nenhuma, obviamente.
Mas franzo a testa ao ouvir gente dizendo que gosta de poesia.
Poesia não é para ser gostada.
Poesia não é couvert, vestido, mulher amada.

Bem, não foi bem uma descoberta.
Mas, sim, redescoberta.
Estranha mesmo assim.
Pois que me esquecera.
Como sempre ocorre com as pouquíssimas coisas boas que aprendi da vida.

Pouquíssimos sabem o que é poesia.
Pouquíssimos sabem o que é poesia porque poesia requer uma visão e uma atitude amadurecida da existência.
Ao contrário da crença difundida por portais de relacionamento e blogs literários em geral segundo a qual poeta bom é o poeta que não tira os olhos da infância.
A capacidade de manter presente a infância na idade adulta é uma vantagem, naturalmente.
Sobretudo se a essa capacidade aliarmos outra: a de observar como vamos mudando à medida que crescemos e como nossa concepção da nossa infância também muda com nosso crescimento.
Essas duas capacidades, sim, dão ao poeta um belo filão para começar.

Isso não significa que eu goste de poesia.
Às vezes, sim, outras, não.
Me parece mais um, digamos, problema pessoal.
Há uma certa poesia que me incomoda.
Não no sentido em que é justo e até necessário esperar que a poesia incomode.
Ainda não firmei convicção a respeito.
Talvez tenha a ver com o incômodo que os autores desse tipo de poesia me causam.

Hoje também lembrei duma descoberta que fiz ainda precocemente na infância.
A saber: gosto de dar tchau, seja de perto, seja de longe.
Pode parecer natural; muitos gostam de dar tchau.
Só que, no meu caso, detesto dar oi.

É esse afã que tenho, também desde muito cedo, de cair fora abruptamente.
De onde quer que esteja.
Com quem quer que esteja.
Esse meu afã – outra descoberta – me dá um tico de sossego.
Como que um alívio.
Como se de repente descobrisse que alguém à minha volta tem lepra.

Gosto de brincar.
Sobretudo comigo mesmo.
Só comigo mesmo.
Serei autolúdico?
Tenho princípios e definições muito particulares sobre as coisas, o mundo, as cadeiras estofadas.
Tem dia que gosto de parecer antipático.
Mas ainda não aprendi a parecer pegajoso.

Já nos conhecemos?
Se já, responda com verbos transitivos.
Sem indiretas.

Sou daqueles que falam na lata.
Que somem sem deixar bilhete.
Que desistem sem aviso prévio.

Não sou de suposições.
Não sei fazer suposições.
Mas hoje preciso fazer uma.

Hoje gostaria de poder supor que falo com alguém.
Hoje gostaria de poder supor que falo com alguém com quem vivi por toda a vida.

Foi tão estreita convivência, que houve um dia em que mal reparamos que trocávamos sentimentos, que trocávamos identidades como se trocássemos germes.
E que nossas trocas raiaram a irresponsabilidade.
Recebi e transmiti sentimentos e identidades tão deletérios quanto latas formigando de ebola.

Me amarro na ideia da morte.
Meu poeta preferido, obviamente, é Augusto dos Anjos.
Sou obcecado pela extinção (de mim mesmo e dos outros).
Pela aniquilação.
Pela destruição.
Pela deterioração.
Pela devastação.
Pela ruína.

Me devoram germes altamente infecciosos.
Quem conversa comigo por meros dois minutos sai por aí cantarolando alegremente as delícias de esticar a canela.

Tenho outros defeitos mil.
Um dos piores é minha mania de proferir obscenidades.
Só para escandalizar.

No fundo, e no raso, sou um moleque.
Com todas as desvantagens que moleques têm: irresponsabilidade, frivolidade, arbitrariedade, crueldade, irreverência, vaidade, amor por caprichos, astúcia, fantasiosidade.
Como hoje estou bonzinho, vou superar minhas deformidades de caráter só por um instante para alertar meu solitário leitor:
Cuidado: sou, acima de tudo, eu mesmo.
E quando sou eu mesmo, saio por dentro de mim procurando poesia e, pior, fazendo.
Ou tentando.

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