É só uma questão de ser sozinho

Ela abriu seu caderno (escolar?), me mostrando um texto escrito à mão.
Não sei se era um poema. Embora estivesse em forma de versos.
Uns oito ou dez versos.
Que li instantaneamente.
Terminava de repente.
Sem um desfecho.
Sem terminar.
Prometendo uma promessa que não poderia ser cumprida.
Abrindo uma ferida sem possibilidade de cura.
Preciso dum fim, pensei.
Preciso de mais, gemi.
Então, tomando o caderno das minhas mãos, ela se dispôs a procurar o restante.
E enquanto inspecionava página por página, em quase frenesi, meus olhos espionavam, em algum lugar lá fora, cenas que se criavam aleatórias com a finalidade de me consolar.
E enquanto ela buscava o desfecho de que eu precisava, meus olhos viajavam sonhadores por um mundo que não conheci.
"Não está aqui", ela disse, decepcionada.
"Onde poderá estar? Não posso ficar em suspenso assim."
"Pode estar em qualquer lugar".
E ela se foi, não necessariamente embora, se foi simplesmente, apenas se foi.
E me dei conta de que estava perdido como nunca estive antes.
E, com o laivo de lucidez que ainda me sobrava, segui pela rua tentando me orientar.
É por aqui em algum lugar, lembro que pensei.
Sim. Devo estar perto.
Minha casa fica daqueles lados, atrás desse morro.
Ou então é por ali, depois daquela curva.
Pois escuto minha música ao longe. Sinal de que estou no caminho certo.
Minha música, não a compõem abelhas venenosamente frustradas por não poder fazer mel.
Minha música, não a compõem anjos que se suicidam, incapazes de perpetrar minha ascenção.
Não a compõem entes, espíritos, crianças, ratos ou vermes estarrecidos ante a repentina percepção da própria inutilidade.


Nenhum comentário:

Postar um comentário