Flores de soprar

Tenho inveja de pessoas superinteligentes.
Para Stephen Hawking, a noção de "céu" não passa dum conto de fadas. Hawking tem ELA (esclerose lateral amiotrófica) degenerativa desde os 21 anos. Está com 70. Fez o comentário do conto de fadas quando um jornalista lhe perguntou sobre seu medo da morte.
"Há 49 anos vivo com a perspectiva duma morte prematura. Não temo a morte, mas não tenho pressa de morrer. Ainda quero fazer muitas coisas."
"Para mim, o cérebro é um computador que para de trabalhar quando há um defeito em seus componentes. Não existe um céu na vida pós-morte para computadores avariados. Trata-se dum conto de fadas para quem tem medo do escuro."
O mundo real pertence a crânios como Hawking, responsáveis pela (medonha) tecnologia que nos trouxe a este paraíso infernal misto de conforto e angústia. Estou ciente de que falar mal da tecnologia deve soar anátema para a molecada incessantemente conectada em sua miríade de badulaques eletrônicos. Afinal, os pobres nunca conheceram outra alternativa. E, totalmente destituídos de imaginação (seus talentos potenciais não se desenvolvem como em meu tempo em que tínhamos de crescer emocional e intelectualmente na marra), estão fadados a chegar apenas aonde Bill Gates e o Google quiserem que cheguem. O mesmo pode-se dizer dos adoradores do rock -- cresceram tendo os tímpanos arrebentados pelo histerismo mimado de fantoches criados pela indústria musical e não lhes passa pelo miolo que Bach é o atalho mais curto para a divindade por que tanto clamam e padecem.
Ao mau passo que o outro, o mundo do faz-de-conta, é e será por todo o sempre dos chamados "inteligentes emocionais".
Hawking de certo não se inclui nessa tribo. Pessoalmente emana uma carga brutal de dramaticidade super-humana com a expressão retorcida pela doença e resignadamente cativo de sua cadeira futurística.
Como reconfortante contraponto, me fala cientificamente de temas nevrálgicos para os religiosos como a origem do universo e da vida.
Como quase tudo que interessa, isso é, mais que um contraste, uma contradição e um paradoxo.
Aparentemente seria fácil concluir que gente quase sobre-humana qual Hawking é a que dá as cartas, determinando o "destino" de todos nós outros.
Mas é apenas impressão.
O mundo pertence aos chamados inteligentes emocionais (que, por educação, me absterei de classificar como manda meu figurino).
Pois foram e são eles os primeiros a aceitar e difundir que não fomos feitos para desvendar o desconhecido, mas sim para temê-lo sob ritos e saravás e salamaleques e cultos de adoração.
Eu, qual Hawking, mesmo não superinteligente, fui amaldiçoado com a necessidade da dimensão humana.
O mundo dos inteligentes emocionais se constitui do que ao longo dos tempos imemoriais aprendemos que nos protege, por mínimo que seja, da escuridão à nossa volta e dentro de nós. Por isso, eles, inteligentes emocionais, podem clamar ascendência e hegemonia sobre os gênios.
Vivem em irracional orgia com espíritos, fantasmas, duendes, signos astrológicos, fatalismos e predistinações, mundo destituído da dimensão humana que, ao que parece, fomos desenhados para rechaçar.
Tenho inveja de Hawking rondando os mistérios da vida incapaz de sequer um prazer físico em sua fantástica cadeira do tempo.


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