De boçais e outros babados

Como vocês sabem, meu debut no fantástico mundo digital foi em setembro de 200... Sim cavalheiros e madames, o auge do mensalão. Todos nós homens e mulheres de voa bontade, digo, boa-vontade acorremos afoitos à comu Fora Lula pra tascar o sarrafo nos peetistas safados. Por uns meses pude levar na maciota, a golpes de mouse, este fantástico mundo novo sob amenas trovoadas de bits e repentinas tempestades de bytes, que, vocês também sabem, me é tão proverbial. (Hoje em dia o pessoalzinho rankeia seus amigos com ...




... estrelinhas. Não é uma gracinha?) Era nesse agrodolce far niente virtual que vagava quando, certo dia, comecei a ouvir uns ruídos estranhos no porão do meu perfil. A princípio fiquei na minha, fazendo de conta que os ruídos eram apenas os meus good ol’ delírios auditivos, de que sofro desde que vim ao mundo no Hospital Leão XIII, situado bem em frente ao Museu do Ipiranga. Só que o barulho ficava cada dia mais inconveniente. Até que, passadas algumas semanas, atingiu o nível do incômodo. “Ui!”, exclamei aflito em minha ...




... vozinha de falsete, ressabiado diante do meu monitor de 5 polegadas, “deve ser uma RATAZANAH! Ai que medo, meu padim ciço!” Esperei mais alguns dias, torcendo pra que o Bill Gates ou o dono do Face resolvesse o problema. Mas, como vocês podem imaginar, foi em vão. Assim, numa bela manhã de fevereiro, devidamente munido do meu balde de Balla12, resolvi descer ao porão pra investigar. Afinal, pensei comigo (e vc. queria que eu pensasse com quem? co'a mi'a vó?), sou o homem da casa – cabe-me dar o exemplo. E lá fui eu clicando degraus abaixo, ...





... soltando uns peidinhos de medo (audíveis mas inodoros, devo acrescer), o balde de Balla numa das mãos, um isqueiro Bic na outra, just in case, rezando para que o meu temor não se confirmasse. Tão logo adentrei o fétido e sombrio ambiente subterrâneo, que visivelmente não era arejado havia séculos e em que, com perdão da esnobada literária, Poe certamente se sentiria nas nuvens, acendi o Bic e... nada! Tudo que consegui enxergar sob o pálido e bruxuleante lume do isqueiro foram os trastes que a família tinha amontoado no porão ao ...





... longo das décadas: o velho jogo de sofá branco de 3 lugares, estilo moderno, em que eu costumava dar uns amaços na saudosa Girleide, nossa 1a. empregada do Piauí e que mandáramos fazer (o jogo de sofá, não a Girleide) na oficina do tapeceiro que ainda hoje funciona defronte o meu perfil, a mesa de centro de cerejeira laqueada (que ainda guarda as marcas dos nossos copos de cerva, eta tempo bão), a cantoneira combinando com a mesa, a estante com espaço para tevê, combinando com a mesa e a cantoneira, o aparelho de devedê que quebrou no segundo dia de uso e que ...


... atirei pela janela, torcendo pra acertar o cocuruto d'algum mané lá embaixo, uma pequena montanha de livros que eu nem me recordava mais que tinha lido, o conjunto de castiçais de mármore e vidro colorido que mamãe adorava, a mesa de jantar com 12 cadeiras e base de ferro envelhecido e tampo de vidro, as duas penteadeiras da minha irmã, sendo uma comprida e outra mais curta combinando com a mesa de jantar (vocês vão estranhar, eu sei, que as penteadeiras combinem com a sala de jantar. Mas que posso fazer? Aqui em casa somos todos ...



... meio moles da cabeça), os tapetes, as cortinas, os horrorosos badulaques com que mamãe decorava cada espaço vazio do nosso perfil familiar (vasos, estatuetas, monjolos, pedras de várias cidadezinhas do circuito turístico de Minas), o velho aparelho de som em que ouvi, sôfrego como sempre, meu primeiro elepê dos Doors, um computador com disco rígido de 20 megas e dois drives para disquetes A e B, algumas tralhas que sobraram da cozinha de fórmica completa que papai comprara nas Casas Bahia e que não resistiu ao primeiro mês, o ..


... fogão 4 bocas sem línguas nem dentes, a geladeira duplex (que aposentamos por não ser autodescongelante, ai que antiquado), o microondas à pilha, utensílios de cozinha diversos (jogo de pratos, panelas, faqueiro, chave-inglesa, enxada), a velha brastemp amarela à la brasília dos mamonas, a cama de casal de papai e mamãe em que eles só faziam papai-e-mamãe (pelo menos que eu saiba), a cama de solteiro da mana (combinando com a cama de casal, santo dio), a cômoda de 6 gavetas (onde guardava meus poeminhas), a mesa branca para o computador, uma batelada de paisagens e naturezas-mortas que decoravam a sala e mais alguns cacarecos que não me animo a relacionar. RATAZANA que é bom, nada. Mais aliviado, retornei ao andar térreo do perfil. Sim, pensei comigo de novo, só podiam ser os meus malditos delírios auditivos, que vira e mexe retornam das sombras para botar um tico de tempero nesta minha tola, insípida existência. Aos poucos fui retomando meu trabalho de decorador de interiores (pois é, só...




... podia ser minha sina), quando, algumas semanas depois, retornando ao perfil ao fim de mais um dia estafante, que foi que aconteceu? Bidu! Estou pisando no primeiro degrau da escadinha que leva ao alpendre quando dou de cara com... ELAH! No primeiro instante, não quis acreditar no que meus olhos viam. Cerrei as pálpebras com todas as minhas parcas forças. Debalde. Ali estava a boçal, a ameaçadora, a asquerosa, a bestial RATAZANAH, assombração dos meus mais temidos pesadelos, arreganhando o focinho obsceno em minha ...



... hesitante direção, presas dignas dum escalafossauro primevo afiadas qual gilete e pontudas feito espinho, babando a mais melequenta, a mais amarelo-esverdejante baba de que o mundo já teve notícia. E, oh céus, quão paquidérmica era a monstra! Devia pesar bem uns 120 quilos. Cento e vinte quilos da mais pura, da mais mórbida, da mais râncida, da mais putrefata banha. Então, como que por milagre, a vizinha do perfil ao lado resolveu me fazer uma de suas costumeiras visitinhas vespertinas e, vendo meu desespero, me tomou angelicalmente as duas ...


... mãos e, com sua peculiar doçura, sussurrou baixinho em meu ouvido: “Não olhe o bicho nos olhos. Não se mexa. É só esperar, que o demônio uma hora cansa e vai embora”. Minha vizinha tem esse dom espetacular de me salvar das tenebrosas enrascadas em que vivo me metendo. Dito e feito. Após alguns minutos, percebendo que eu estava bem protegido, a horrível quimera digital bateu em retirada, não sem antes dar uma paradinha, voltar a cabeçorra medonha para trás e me fulminar com dois fachos vermelhos de seus escabrosos, seus atrofiados olhinhos de ...


... predadora dos infernos. Passado o susto, minha doce vizinha me explicou que se tratava duma espécie de roedor estrambótico que a cada dia se torna mais comum no mundo eletrônico, sobretudo nesta malfadada vida online. Acrescentou que aquele espécime pertencia à ordem Rodentiah Doentiah, que em geral se esconde em antros digitais tais como rede de esgoto e de dejetos de scraps apodrecidos, tocas em jardins e canteiros de comus abandonadas, interstícios às margens de córregos de tópicos emporcalhados de merda, etc. Representa um ...



... perigo assaz ignóbil, pois, ao contrário de outras espécies de roedores, não se contenta em perambular pelos arredores do perfil para fuçar latrinas e bueiros. A pragah quer é entrar, se que é vc. me entende, solidário companheiro digital. Se eu der moleza, a desgraçah -- mesmo com aquele tamanho de hipopótamah aparvalhadah -- é capaz de querer constituir ninho no motor do freezer onde guardo minhas caixas de cerva ou debaixo do saco de 10 kg de amendoim torrado marca Lemel. Por fim, minha doce e valente salvadora recomendou que a melhor prevenção seria manter os jardins ...


... e canteiros do meu perfil bem conservados, preservando o ambiente limpo e guardando em local seguro a ração da Lara e da Chuca (vulgos Isbirigueta e Detonal) durante a noite. ”Mas como faço pra me ver livre dessa praga duma vez por todas?" – gemi no meu good ol’ tom desacorçoado. “Não se aflija – acalmou-me, gentil. – "Espalhe este racumim eletrônico pelos cantos do perfil.” Assim dizendo, ela retirou um cedê duma bolsa que tinha pendurada no ombro e mo estendeu. Olhei indeciso o cedê. "Não sei não. Pelo tamanho, ...



... isso aí só vai servir pra atiçar o apetite da capivarah empanturradah de pus.” A doce vizinha guardou o cedê. "E que tal isto?" – Agora exibia na mão um ominoso devedê colorido em dramáticos tons de vermelho e roxo. Dei um passinho para trás, amedrontado.” Qu... que raio é isso?” “Uma ratoeira digital.” “Será que dá conta do recado? Olha que a desgraçah é descomunalzonah.” “Tiro e queda. Pega desde camundongos distraídos até RATAZANAHS profissionais obcecadas por roer e roer e roer a vida digital alheia.” “E como funciona?” ...


... Uma vez vencido o medo, comecei a me interessar pela geringonça. “Este aparelho emite uns versinhos bobocas e melífluos que, por incrível que possa parecer, terminam por encantar os ouvidos entupidos de sebo das RATAZANAHS, atraindo-as para a morte sem que elas se deem conta.” “Vou experimentar” – encolhi os ombros. Afinal, não custa nada. E sempre é mais um pretexto para eu ter pertinho de mim a perfumada presença do meu anjinho virtual. De fato, três dias depois tudo parecia mais tranquilo, com a diferença de que uma nausebundah ...


... undah undah fedentinah tomava conta da atmosfera, qual a aca que certamente advirá no dia do armagedão. “Peguei a filhadaputah!”, exultei, esfregando as mãos. Bem, resumindo a história, parece que consegui dar cabo da RATAZANAH. (O mais estranho disso é que, quando fui olhar, vi que era uma RATAZANAH oxigenadah, vê se pode.) Mas, por via das dúvidas, espalhei essas maravilhosas ratoeiras eletrônicas por todo lado: na minha página de recados, nas minhas comus, nos meus álbuns e em outros pontos mais recônditos do meu perfil. Hoje em dia nós ingênuos navegadores digitais somos tão vulneráveis, não é mesmo? Pena que, quando bate um ventinho contrário, ainda sinto o fedor da bichah decompostah. Hélas, pensar que tudo que busco nesta minha acabrunhada e antimetafísica existência é escutar o canto do meu matutino, do meu assíduo qual relógio suíço sabiá-laranjeira...



















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