Mórbida paz que ninguém extermina

A dor é engraçada.
(Tanto, que hesito entre rir em verso e sorrir em prosa.)
Digo, esta dor.
(Não sei de outras. Esta me basta. Sozinha turva meus sentidos, azeda minha saliva, me faz surdo, cego e louco.)
Imagino que outras minguem com o tempo.
Esta, pelo contrário, é como a sujeira; só recrudesce.
Antigamente vinha, derrubava num piscar de olhos minhas defesas, se acomodava como podia e desempenhava seu papel nefasto e se ia.
Depois foi ficando, ficando, até estabelecer residência fixa.
Antigamente ainda havia essa expectativa da ida; com ela aprendi a esperar.
(Mentira. Aprendi coisa nenhuma. Nunca soube, nunca saberei.)
Mas, sim, não deixava de ser uma desculpa. (Desculpas e os que as usam me dão repulsa. Ainda me impressiona a facilidade, a cafajestice dos que optam por se enganar.)
Antigamente ainda latejava.
Me fazia suar.
Dava calafrio.

Hoje não vem mais.
Portanto, não se vai mais.
O pouco de diversidade se acabou.
Você pode perguntar, haverá ainda uma variação na intensidade?
Admito que sim. Até podia me conformar.
Mas esta, variável intensidade, é tão constante, e tão fina e sutil...
Não sou homem de sutilezas. Sujeitos que tais também me enojam. São exímios em massacrar rudes feito eu.

Que me massacrem.
Não faz nem fará diferença.
A dor sobre tudo prepondera.
Talvez eu tenha levado uma facada nas costas sem perceber.
E a faca ainda esteja cravada onde antes havia um rim.

Você pode achar estranho.
Não é.
Afinal um homem decapitado não poderia sentir facadas, tiros, alfinetadas, o que seja.

Você pode achar engraçado.
E se for?
Se a dor — esta dor — é engraçada, todo o resto pode igualmente ser.

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