Esqueci


Cantilena


Antes de tudo, esqueça a teoria. Salvo se estiver a fim de fazer crítica literária.
Teoria é regar com ácido edificante regulador tuas sementes em vias de explodir. Teoria é racionalização. Ou o que quer que você tenha aí dentro a ponto de explodir.
Escrever e racionalizar são, seriam antagônicos se a vida fosse simétrica como pretendemos que seja.
Depois de décadas escrevendo, ou tentando, tenho uma teoria, acho. (Escrever é carcar o pé na merda da contradição.): escreva até doer. O dia que vir que tá doendo, doendo pra caralho, nesse dia provavelmente estará escrevendo. Escrevendo, o que, porra? Não importa o quê. Aquilo que tem aí dentro que precise ser escrito.
Todos temos aqui dentro algo a escrever, acho. A maioria nasce e morre sem saber disso, lililiralará. Estão todos ocupados demais vivendo. (Versinho que Lennon fez pro filho dele: Life is what happens to you when you're busy making other plans.)
Se você está cheio, escrever vai te esvaziar até você encher de novo.
Se está vazio, escrever vai te deixar cheio. Do que quer que precise ser enchido.
Aí acontece algo fantástico: você se enxerga no que escreve(u). Nesse dia também terá escrito.
Por que a gente escreve? Sei lá. Só os teóricos e críticos literários sabem. Escritores, digo, artistas não sabem. Por quê? Porque sabem.
Cada um escreve por sua razão. Por isso esse botãozinho que nos abre a porta de nós mesmos é tão duro de achar.
Escrevo por várias. Às vezes, porque preciso, com perdão do clichezão lavado. Outras, por causa da lei da inércia ─ os dedos calejados saem teclando sozinhos e pumba! tá escrito. (Essa "técnica" é ruim, lalarálariri, escrever mecanicamente é uma merda e não leva a nada, mas não tem saída quando o monstro da inspiração tá dormindo e você tem medo de acordar o desgraçado.)
Todo escritor precisa de algum limite, senão termina obrando aquele palavrório insosso e embananado que todos conhecemos. Ou, se tiver talento, a Busca do Tempo Etc.
Por isso e por aquilo, prezados e desprezados diletantes, não posso me despedir sem um manifesto antimodernista aos que, mesmo boiando na estratosfera, pisam no cocô tentando desviar da vida durante a desesperada volta pra casa:
Seus diletantes,
Vocês não entenderam lhufas. Ai, como é gostoso, como é gostoso embasbacar incautos, ver em suas bocas primeiro a espuma gosmenta da perplexidade, depois a secura gordurosa do nojo.
Eu sempre soube. Vocês são todos tão previsíveis. Mas a previsibilidade é o que vocês mais prezam, não é? Nada como o conforto íntimo de saber que o mundinho que vocês conhecem será o mesmo daqui a 1 minuto, 1 hora, amanhã, ano que vem, sempre. Não ocorrerá nenhuma surpresa, nem boa nem má. Tudo ao redor e o que vocês amam será eternamente igual e vocês mesmos continuarão nascendo múmias e milagre! morrendo múmias.

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