Hahãn (limpando a garganta)



Sou meu filho.
E um dia haverei de sair para nunca mais voltar.
Veja, trata-se apenas duma fuga da dor e portanto aceitável.
Se for ele, serei eu.
Daqui deste ponto onde estou divergem linhas que são retas.
Darei o primeiro passo sabendo que não me será concedida a prerrogativa de pesquisar os arredores, não estarei de braços abertos em pose de sacrifício e então me.dividirei.para.atender.à.meia.dúzia.de.dedos.indicadores
Há uma placa à frente que diz: "Entre aqui para chegar ao fim do mundo e encostar a mão no céu". 
Em seguida meu imaculado nome.
E uma tábua com uma única lei:
Gire ao contrário do mundo, voltado para dentro, pobre e sem nunca almejar à sobrevivência, bracejando por debaixo das superfícies aversas à virgindade enquanto rodopia livremente preso a uma corrente de ferro.
Foi assim então que lancei um último olhar para os lados aonde seguia o caminho e dei meia-volta para confrontar as linhas divergentes.
Por aqui me aguarda minha revolução. Por ali, meia dúzia de virtudes. Mais para o lado, o deserto intransponivelmente abrasador além do qual reside minha salvação.
Se optar por este lado, poderei criar asas e voar para longe onde vivem pássaros acossados pela demasia da realidade e caçados por espantalhos sem arte nem emoções.
Por aqui batizarei minha inocência com o caldo passado de mão em mão e sacrificarei meu espírito enquanto caminho por entre prédios que engolem homens e mulheres.
Aqui, uma fábrica de bonecas. Ali, uma de utensílios domésticos. No meio, uma fileira de automóveis luzidios.
Não.
Seguirei avante.
Certo, terei de perpetrar algumas mudanças, sobretudo em minha cabeça.
Talvez pelo caminho encontre uma tenda de fantasias e compre uma máscara de porcelana e repetirei "não! não! não!" na fuça da realidade e renascerei.
E esquecerei.

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