O que vi atrás do teu bilhete


Estranha.
Fica à vontade.
Estamos entre amigos. 
Estou acostumado.
Também estás, eu sei.
Embora estranhes.
És estranho.
Um dos mais estranhos que já vi.
Sou estranho.
O mais estranho que conheço.
(Embora não me conheça quase nadinha.)


Se nos déssemos as mãos, teríamos um choque de frio, talvez frieza.
Se nos olhássemos nos olhos, desviaríamos instantaneamente nosso olhar.
Se escutássemos a voz um do outro, teríamos um sobressalto.


(De minha parte, um quase insuportável desconforto.
Fico aqui a imaginar como seria tua voz.
Rouca? For Christ, não!
Anasalada?
Morna, sólida, impessoal?
Sonolenta?
Ah sim, que seja sonolenta!)


Estou ilusoriamente acostumado.
E se nos revelarmos estranhos o bastante, nos abraçaremos apertado e sairemos dançando noite adentro.


Me oferece uma bebida.
Um jantar.
Não me pergunta nada.


Nesta noite em que mergulhamos cegos, mudos e surdos, preciso que sejamos estranhos, estranhos ao longo das horas, estranhos até o fim da vida.


Impossível, eu sei.
Mas posso te ensinar um segredo.
Quando chegar a hora, durmamos nos braços um do outro.


Então sonharemos que não somos estranhos.
No sonho, terei te encontrado.
No sonho, terás me encontrado.
Sem enganos.
Sem procura.
Teremos, veja, até mesmo uma data certa: hoje.
Este vinte de maio de dois mil e doze.
Ao invés de noite, será uma tarde.
Não estranha.

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