A cor da tarde de domingo e o canibal das luzes




Antonio Maria fecha uma de suas crônicas assim:
"Só há uma vantagem na solidão: poder ir ao banheiro com a porta aberta. Mas isto é muito pouco, para quem não tem sequer a coragem de abrir a camisa e mostrar a ferida."


Nunca fui muito de banquete, mesmo que platônico.
Uma vez, daquelas vezes que aconteciam quando éramos crianças, fui a um.
Não me lembro de quase nada. Mas lembro cristalinamente que senti uma solidão brutal.
Ah, sim. Lembro de outra coisa: as centenas de pessoas à minha volta pareciam espantalhos que deus colocara ali só pra me enganar.
Você talvez possa imaginar meu dilema:
Ou me conformava com minha solidão.
Ou me conformava em banquetear com os seres empalhados.
Para meu assombro, saí vivo.
Para meu assombro, estou vivo ainda hoje.
Talvez eu tenha extraído uma lição daquilo: Nunca me empanturrar.
Do que quer que seja. Onde quer que seja — banquetes, churrascos, cervejadas, casamentos ou batizados.
Vou ficando mais e mais inepto a cada dia que passa.
Descobri que preciso apenas duma gota umedecendo a massa numa colheradinha de café.
Guardo esta mania infantil de sempre começar pela sobremesa.
Duro destino prum sujeito para quem sobremesas não existem.
Quero me converter num sugador de ossos.
Antônio Maria tem uma crônica chamada Canção de Homens e Mulheres Lamentáveis que começa assim:
"Esta noite... esta chuva... estas reticências. Sei lá."

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