Pronto para agir em segundos


Ah quer dizer que minha vida está a meu cargo?
Não pode ser.
Sim, sei que é tarde para me espantar.
Gemer.
Reclamar.
Sim, desconfio que não encontrarei ninguém que se disponha a aceitar esta reclamação.
Sim, preciso de alguém que se encarregue da minha vida!
Não está patente que não estou à altura da tarefa?
Não, não entrarei em detalhes.
Não posso, não quero soar vil, mesquinho, pequeno.
Já não ficou patente o bastante que sou pequeno, mesquinho e vil sem que precise produzir provas contra mim mesmo?
Preciso de alguém grande, magnânimo e generoso que se incumba da minha vida!
Está certo.
Já disse que está certo!
Adultos que são adultos aceitam naturalmente tal incumbência.
Está certo, já disse!
Não cometerei a ingenuidade de perguntar por que seria essa incumbência tão natural.
Não, não sei por que, não imagino por quê.
Mas não sou tão estúpido assim.
Posso deduzir.
E então deduzo que as pessoas minimamente grandes, magnânimas, generosas e inteligentes são capazes de tomar suas vidas a seu próprio cargo e jamais deixariam de ser sagazes o bastante para não delegar tal missão a outrem.
Portanto, eis que tomo minha vida a meu cargo.
Como meu pai sempre recomendou.
Como minha mãe sempre exigiu.
Como meu cunhado que ficou rico e influente sempre esperou.
Não, não tema!
Você é adorável, meiga, linda.
Mas nem por isso vou lhe incumbir da minha vida.
Está provado: minha vida é minha e quem deve cuidar dela sou eu.
Está mais que provado.
Está tão provado, mas tão cabalmente provado, mas tão estupefacientemente provado, que tocar nesse assunto me dá essa irresistível moleza e me deixa as pernas bambas.
Chega de desperdício de palavras, de tempo, de paciência.
Minha vida está a meu cargo e não vou repetir de novo!
Sejamos adultos!
Sejamos objetivos!
Sejamos o que o mundo espera que sejamos!
Então, por meio deste manifesto...
...por meio deste instrumento...
...por meio desta confidência...
...declaro a quem de direito na forma da lei...
...a quem interessar possa, a quem esteja acostumado a dar nome aos bois...
...a quem não tem mais dúvidas de que deus ajuda a quem madruga...
...que, sim, os senhores entenderam perfeitamente:

esta minha vida, que, admito, parece tão frágil, tão dispensável, tão excessiva e redundante, está a meu cargo.

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