A
poesia ─ certa poesia ─ é a forma mais honesta de expressão. Poesia, religião e
psicanálise. Mais honesta porque aduba e rega as doidas contradições das nossas
cabeças ao invés de tentar suprimi-las com ácido racionaliático saneador e
pensamento pretensamente organizado. Não se gosta de poesia porque a poesia
teima em não fazer parte do mundo teatral de personagens em constante estado
letárgico que somos e encenamos dia após dia. Não queremos outra coisa senão
cúmplices que nos ajudem a viver mais um dia de autoenganação e álibis que
acobertem e expliquem nossa irrefreável tendência à mentira. Procuramos
estabelecer pactos hipócritas com tudo e com todos. Nossas cabeças são
habitadas por fantasmas e monstrengos indefiníveis e mais ou menos
aterrorizantes e alarmantes, dependendo do freguês. Eles fazem parte dum lado
escuro e endomorfo que não nos interessa ver. Quase nunca ousam aparecer ou
levantar a voz, e, prestativos, cooperativos, americanamente afirmativos, só em
sonhos dão algum sinal de que existem, e só muito esporadicamente, nos ajudando
assim a preservar a pouca sanidade escapista que nos resta.
A
poesia ─ a boa poesia ─ é viva, feita por vivos para vivos. Por isso é, entre
outras, hermética, difícil, caótica e maluca. Ao contrário dos tratados
elegantes e corretamente escritos de ensaístas bem-pensantes, construídos com
todos os elementos formais preconizados pela retórica e pela semântica, cheios
de um lado, do outro lado, paradoxalmente, que se depreende, há que destacar,
argumento, ou da escorreita ficção dos best-sellers que segue receitas
estetizantes dos manuais de redação e suas leis de escrita telegráfica,
concisão, clareza e o escambau, que aprisionam o pensamento sob as formas
totalitárias da ordem e da objetividade utilitarista, a poesia é
desequilibrada, distorcida, agressiva, suja e feia. Daí, iluminativa.
Temos
medo da feiúra porque nos vemos nela e porque ela está tão ominosamente
próxima. E da sujeira porque, bingo, somos sujos. Por isso tomamos banho
obsessivamente até nos sentirmos assépticos e podamos as árvores e as
cercas-vivas para que não cresçam e ganhem as formas orgânicas dos nossos
medos. A poesia mancha o carpete da sala, emporcalha os fundilhos das calças de
linho, risca impiedosamente a cintilante pintura do carrão que morremos de
enfarte para comprar e poder exibir aos nossos vizinhos.
Se
maioria de nós gostássemos e soubéssemos sacar e soubéssemos para que serve a
poesia, tecnologicamente estaríamos vivendo, sei lá, no século 10.
Provavelmente não estaríamos nos degolando uns aos outros por complexo de
inferioridade, inveja e cobiça sem fim nem tamanho.
Lacans,
derridas e afins seriam de fato os gênios propalados por áulicos se
conseguissem trazer o inconsciente à tona em, com perdão da palavra, discursos
minimamente inteligíveis. Talvez o façam algures em seus livros. Mas trechos há
que, honestamente, não valem o papel em que foram impressos. Talvez tenham
mesmo feito contato com as profundezas do espírito, talvez tenham flagrado
sentimentos em estado puro, pré-linguagem verbal, formados muito antes do
nascimento das palavras, que torna grande parte deles, ninguém sabe quanto,
inatingível pela consciência, mas querer que leiamos e compreendamos aquela
logorréia labiríntica embananada com a desculpa de que, com perdão da palavra,
reflete o inconsciente e, portanto, só pode ser obscuro quanto o é o
inconsciente, não refresca nada. A palavra é convenção, lalarila-ri-rá, e,
portanto, pouco afeita a tratar de, com perdão da palavra, conteúdos não
convencionais. Dentro de cada um de nós rondam fantasmas indefiníveis e,
portanto, inexprimíveis. Qualquer um pode escrever o que lhe der na telha e
dizer que é o retrato da alma. Mas, na humilde opinião deste servo, não como
cientistas. Como poetas, sim. E os grandes o fazem e já faziam antes, muito
antes de tio Freud aparecer no pedaço.
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