Chegou o dia 7 de agosto


Socorro.
Assim sem exclamação nem reticências.
É pedido que soa meio patético, eu sei. Que posso fazer? Estou acostumada a ser patética. Acho mesmo que sou uma pateta.
Vivo indecisa sobre essa pulsão a abrir assim meu coraçãozinho hiperaçucarado como se fora uma lata de sardinhas. Estou ciente de que pega mal expor ao opróbrio público meus dilemas de teen balzaquiana.
Sei também que certos patrulheiros e vigilantes afetivos cujo peito se partiu em mil pedacinhos de porcelana furta-cor nos embates amorosos lá fora no mundo real inóspito estão de plantão à espera dum vacilo meu.
Sim, os mortos e feridos nas batalhas da vida em geral querem se vingar de suas lancinantes dores em atendentes de balcão inocentes.
Sim, incontáveis olhões gulosos vigiam cada pingo que deixamos gotejar da garrafa de 51, Smirnoff, Old Eight e Cavalinho.
Sim, vivem eles em infatigável atividade digital, ávidos por uma chance de fuçar um ou outro detalhezinho que conseguem arrancar de nossos conhecidos e parentes para depois trocar fofocas nos antrinhos do salão de pebolim e bilhar.
Em assim sendo, me pus a ponderar sobre os prós e contras dessa angustiante questão e, após longos 3 segundos, concluí: fôdasse. Não posso mais guardar para mim mesma esse padecimento que me corroi o pâncreas, o baço e um dos tornozelos como se tivesse ingerido igualmente 3 pacotes de Racumim com a sopa de feijão que meu dublê de escritor, amante e cliente me preparou hoje de manhã, a qual sorvi, como é do meu feitio, cabisbaixa, conformada com a desfortuna que me cabe na minha coleção entulhada de Paula Fernandes, Sorriso Maroto, Thiaguinho e Empreguetes. O (inestimável) dr. G em que meu lindinho me levou tem alertado incansavelmente a nós dois que engolir o padecimento faz mal para as minhas mechas aloiradas e os cabelos agrisalhados dele com suaves mechas irisadas e barba salpicada de farinha de trigo, sal, açúcar, talco e cocaína.
Não, ele suplicou, não quero que enterrem minhas dores na curva da avenida Goiás com a rua Alegre.
Na certa um dos referidos senhores irá apiedar-se de tão patético farrapo humano, largando incontinenti o mouse ensebado de suor para socorrer este juvenil casalzinho a zanzar aos choramingos eu) pelo salão fervilhando de bebuns no boteco de papai, ele) pelos cantos hiper-voláteis da rede mundial de solitários munidos de computadores.
Não vai arrancar pedaço, vai?
Não sei mais que fazer com um amigo que acabei descolando (não me pergunte exatamente como; só o diabo saberia dar a resposta) em meus sombrios caminhos e descaminhos tanto atrás do balcão quanto na amplidão do salão.
Quer dizer, não se trata propriamente dum namoro. Tudo que fazemos é trocar um lero uma vez por semana. Só que, em sua cabecinha cheia de minhocas siderais, o infeliz, ai de mim, delira que pertencemos um ao outro.
“Tudo bem” ele vive dizendo, “em vista do seu caso com seu pai e esse outro sujeito aí, dificilmente seremos um do outro, mas me contento em saber que sua alma à minha pertence e que seu músculo cardíaco bate chantili quando pensa em mim!”
Cansei de explicar ao belo porém imprudente fofo que sou moça comprometida, praticamente casada no altar sagrado do lar, que, depois de aprender a escutar a Missa Segundo São Mateus de Bach sou a feliz portadora de vistosa aliança em ouro 18 quilates no indicador da mão esquerda, que eu e meu macho passamos 3 dias inteiros de cada semana na cama em movimento particular pela nossa paz e de mais ninguém.
Debalde. O insensato simplesmente se recusa a aceitar os fatos. Já lhe disse várias vezes, com toda diplomacia e cordura de que sou capaz (e, olha, sei ser cordata quando preciso): “Benzinho, a gostozinha aqui não nasceu pra princesa, não. Sou ruim. Muito. E mal-humorada feito uma jaguatirica. E traiçoeira. Muito. E se ainda pouco fosse, o diabo me agraciou com todos os defeitos imagináveis próprios da espécie, a saber: me fez biscate, maledicente, desleal, fofoqueira, tratante, imoral e viciada em sexo. E puxo uma erva aos sábados e domingos e nos dias de semana também, fumo quase 3 maços de Marlboro de manhã à noite e ainda acordo no meio da madruga pra detonar mais uma meia dúzia, mastigo de boca aberta, só tomo banho quando papai me leva em São Vicente uma vez por mês, arroto qual um mercedão de escapamento aberto, peido fedido feito carniça, gasto metade do meu tempo livre (umas 15 horas/dia) vendo filme pornô. E, entre outros mil defeitos mais, ando só de havaiana, abro o decote pros velhinhos na rua, passo desodorante só no subaco esquerdo, detesto ler e execro poesia. Acima de tudo, sou antissocial. As pessoas em geral – e algumas em particular – me dão nos nervos ao ponto do genocídio. Se for poeta então, eu quero é desmembrar e mandar pedacinho por pedacinho pra Academia Paulista das Letras. Ô raça de viados desocupados. Vão tocar sua lira desafinada na putaqueopariu!”
Não pensem que ante autodescrição com tal carga de honestidade meu suposto novo amiguinho haveria de vociferar um belo boa-noite, igualmente com pontos de exclamação e tudo, e nunca mais querer ouvir falar no meu nome. Ou então me dispensar com um frio “OK, fim de papo”, encerrando definitivamente qualquer contato comigo. Ou, no mínimo, apagar meu número no cel dele para que eu não o importune mais com meus recadinhos de mulherzinha ordinária. Qual o quê. Pois foi exatamente quando lhe expus o tonel de pus que guardo no peito que o desgraçado desatou numa sangria dos infernos, pondo-se a me torpedear com medonhas e disparatadas declarações de amor como se lavasse sua alminha de anjo no confessionário do próprio inferno!
O pior é quando menciono minha repulsa a qualquer coisa que recenda, mesmo remotamente, a poesia. É então que o demônio degringola a escarrar um diluviano, petropolitano caudal de versinhos de inefável feiúra, mancos como se lhes faltassem vários pés de suas mil pernas de centopéia do Hades, cacofônicos como se produzidos por uma superclaque hiper-excitada do Xapolim Colorado.
Que suplício, meu pastor Juarez do templo na Augusto Ferreirinha quase esquina com a Visconde! Mesmo estupefatos, sei que vocês haverão de concordar: é ou não é pra deixar mesmo uma mina sensata feito eu torta das ideias? Respondam sinceramente, é tudo que peço.
Bom, feito o desabafo (pelo qual lhe rogo humildes desculpas – embora vocês haverão de convir que a lei divina está ao meu lado neste caso), finalmente formalizo o pedido de socorro a que me referi lá em cima: sem querer atrapalhar, suplico-lhes, tentem chamar à razão o supracitado adorador de ídolos malsãos. Mostrem-lhe o que já está cristalinamente claro e que só um serzinho enfeitiçado pelo mais fantasioso desvairio é incapaz de enxergar. Lhe digam por a mais bê, soletrem com todas as letras, que não, eu não sou sua namoradinha, eu não sou sua princesa, eu não o amo nem quero ou espero, pare, em nome de sua própria lucidez, pare de me deixar bilhetinhos entupidos de paixão debaixo da toalha da mesa 15, meu coraçãozinho amanteigado a outros pertence, não sonhe mais comigo, me esqueça, faça de conta que nunca nos falamos, procure uma mulher séria que possa lhe dar um futuro seguro e sólido e confortável, ó homem suave e maduro e responsável pelo qual desperdiço minhas noites de sono, não nasci pra ser feliz.


Um comentário:

  1. Gente, sem palavas ou cem palavras, nem contei direito, mas fiquei impressionada... Nossa! Que texto prisional dos meus olhos e imaginação.

    Escolho muitos blogs para seguir, mas poucos leio com vontade, esse é um dos poucos. Obrigada!

    Dani-se o rapaz..srsrs (Acho conflituoso demais, as relações virtuais, gosto mais dos blogs, pq não entramos na vida particular e sim discutimos os conteúdos postados) No mais... tecle tecle... com reticências..srsrs

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