Bucólico cometa


E se o mundo de repente ficasse a meu cargo?
Pois então.
Em primeiro lugar faria que me chamassem de grande poeta.
E, para não decepcionar o mundo, escreveria à altura e esnobaria e não faria por menos.
E faria mostrar a todos que não, grandes poetas não têm cabeça para mundanices.
Grandes poetas ficam lá embaixo, lá no fundo, lá longe às voltas com aquelas coisas de grandes poetas e que seres normais não têm alcance para atinar.
E, já poeta grande, me ocorreria: ai que saudade dum caminho de terra batida transitada pelos caboclos rumando pra roça às 5 da matina.
E me lembraria que a família tinha uma fazenda em Américo Brasiliense, perto de Araraquara, que virou mingau quando meu avô morreu. Os herdeiros diretos se pegaram de pau e a geração dos netos, eu e meus irmãos e primos, dançamos.
Era um pomar edênico, com todos os frutos do paraíso, cercado de currais por todos os lados, onde eu e minha irmã acorríamos na alvorada cum copão carregado de açúcar cristal até a metade e tomávamos leite esguichado diretamente do bicão preto da túmida úbere da vaca gorda, mon dieu, que deslumbre de sonho mnemônico.
(Cá pra nós, o leite era horrivelmente espesso e gorduroso e peculiarmente odorífero e eu, ainda aos parcos quatro aninhos, sentia engulhos ante a enormidade dos nutrientes graxos. Mas o que valia e ainda vale a pena era e é a rapidez com que o leite ocupava o copo de fundo grosso e o refrescante calor do maná vindo diretamente de dentro do bicho na palma da mão.)
Papai tinha um cavalo cego dum olho. Que, fiquei sabendo anos depois, me deixando acachapado de tristeza, morreu de picada de cobra.
Papai era um dos donos mas capinava junto com os caboclos. Acordava às 4, almoçava às 10, retornava às 4, caía na cama às 7.
(Ai que vontade de acordar às 4, almoçar às 10, retornar às 4 e cair na cama às 7.)
Papai começou a fumar aos 9.
Retinha os palitos de fósforo com outro palito dentro da caixa, para o pai dele não perceber que andava com uma caixa e nunca fumou na frente do pai.
Comecei a fumar aos 13, na frente dele desde o primeiro dia.
Tem coisa que nunca vou me perdoar.

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