Blogando 0009

Meus passeios com Zezeí são uma delícia.

O primeiro matutino, o melhor.

Saímos para a cidade imunda.

Avançamos pelas calçadas esburacadas, tomadas de mato e bosta canina e lixo, muito lixo, um lixo diluviano, um lixo que parece ter vida própria como se brotasse de minas ocultas sob as guias, lixo surgido à minha frente, lixo atrás de mim, lixo por toda minha volta, lixo tornado presente e lixo feito concreto por encanto operado pelo Deus do Lixo da mitologia paulistana, lixo em montanhas de sacos amontoados por toda parte, lixo em forma de papéis, papelada, papelões de tudo que é espécie, de tudo que é cor, de tudo que é forma, de tudo que é cheiro, lixo constituído de restos de brinquedos e utensílios e partes de carros e pedaços de pneus e tampas de caixas de pizza e folhetos de propaganda de pizzarias, folhetos de propaganda de putas, cartelas, cartelinhas, cartelões de pílulas e comprimidos e drágeas, folhetos de propaganda de cartomantes, milhares, milhões, bilhões de latinhas de cerveja, latinhas de guaraná, folhetos de propaganda de encanadores, tudo bem regado por mijo, folhetos de propaganda de pedreiros, mijo de cachorro, folhetos de propaganda de eletricistas, mijo de gente, poças de vômito de bêbados que ainda há pouco comemoraram a alegria de viver c'uma farta feijoada e muito paio e muita caninha e embalagens aqui e ali misturadas com camadas grossas, camadas arqueológicas acumuladas de poeira e pó e terra e barro vertido pelas obras dos magníficos arranha-céus onde nossa culta, nossa esclarecida, nossa desenvolvida classe média irá em breve montar seus castelinhos idílicos para atirar lixo lá do vigésimo andar, camadas que se juntarão, encorpando um bolo fornido com folhas e galhos secos e os ubíquos montículos de bosta, bosta mole, bosta dura, bosta gosmenta recoberta de varejeiras e vermes, bosta enfeitada com resquícios da janta de ontem servidos ao Lulu pela madamezinha de narizinho empinado, bosta de cachorro em milhares, milhões, incontáveis saquinhos do Extra espalhados ao pé de cada bendita árvore soterrada de merda como se eles, os saquinhos do Extra, fossem frutos dela, bendita árvore soterrada de merda, cocô canino pisado por um desgraçado distraído que deixou suas malditas pegadas de uma esquina à outra, um lixo divertido, um lixo satisfeito, um lixo jubiloso de estar em seu legítimo habitat, plenamente a salvo de vassouras, vassourões, jatos d'água e esfregões, um lixo indistinto, um lixo inclassificável, um lixo que meus insuperavelmente virgens olhos se recusam a mirar, um lixo que aguarda orgulhoso e sorridente o primeiro pé-d'água, a primeira chuva  torrencial da primavera para formar a mais fecunda, a mais poderosa, a mais opulenta, a mais nauseabunda pasta de restos humanos, caninos, felinos, murídeos, entômicos, econômicos e políticos do brasileiro, essa raça brilhante, essa raça civilizada, essa raça asseada que sabe cuidar do lugar onde mora e, depois de tudo limpo e depois de tudo arrumado, finalmente instalar sua cadeirinha no portão da frente, sentar-se e admirar a beleza destes Risonhos Lindos Campos.

Sempre que caminho pela calçada ao lado de Zezeí, tenho essa impressão (será minha paranóia de novo?) de que os que vêm em sentido contrário me olham meio enojados.

Devo estar com cara de vômito outra vez.

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