Ao
contrário dos gênios, dos lógicos, dos racionais e dos bobos, não sei explicar a
maioria das coisas.
Primeiro,
explicar certas coisas me dá nojo.
Terceiro,
me enrosco encantadoramente com as palavras.
(Veja,
se enroscar com as palavras não é necessariamente ruim – ou bom.)
Se
der mole, elas viram fiapos pontiagudos como quando você quebra um bambu seco e
depois desavisadamente – como quase tudo que fazemos, ao contrário da crença
popular segundo a qual a raça tem bom domínio sobre seus atos, o que, como é
fácil constatar após breves anos de vida, faz parte do rol das Grandes Mentiras
Que Nos Contam --, nos machucamos com algo que até pouco antes nos parecia
suave. E inofensivo.
É
por isso que nos últimos dias venho me retraindo um pingo ingo go o.
Estou
sem ânimo de causar dor com estas eternas palavras desastradas, canhestras ao
mesmo tempo em que me esforço para que não me causem, como diria um embrião
híbrido de Alceu Amoroso Lima e Jânio Quadros tivessem os pais deles conhecido
numa outra situação ou as mães deles, por cruel obra do Maluf, caído nas garras
do dr. Roger Abdelmassih, embora tal possibilidade seja não possibilidade mas
apenas uma desvairada conjetura e no plano conjetural tudo se pode afirmar – e se
o conjeturador for deveras ousado, como poucos de nós ousaria ser – (será que
boto vírgula aqui?) (boto sim), mesmo uma visão tresloucada em que
retrocederíamos não cem horas ou milhões de séculos mas nada mais, nada menos
àquele miraculoso segundo que se seguiu ao Big Bingo e, fôssemos dotados da
capacidade de apreciar o jogo a partir da arquibancada ao invés de encarnarmos
a bola em si (Martin Heidegger na certa invejaria essa teoria), simplesmente
xingaríamos a mãe do Juiz (que seguramente era desprovido do mais ínfimo senso
de Falta de Juízo Inicial) e eis que teríamos alterado a distribuição das
moléculas, enzimas e levedos de cerveja para, touché! engendrar um mundo ideal
isento de tsunamis, usinas nucleares, lulas, kassabs, beijinhos de afeto e
carinho e, sobretudo, redes sociais, tendo como única e total preocupação em
nossas pobres cacholas o café-com-leite e pãozinho com Qualy que ingerimos no
início desta não tão bela manhã quase outonal que prenuncia um, brbrbrbr,
gélido, um infernal verão.
Sou
um cara problemático ático tico ico co. Que não pede perdão pela cacofonias que
cria de propósito ou inadvertidamente.
Mas
ter problemas não me impede de dizer o que penso.
Ou
de fazer ataques pessoais.
Classificar
de bobos e cafonas muitos dos blogs que vejo na rede.
Só
não sugiro que os blogueiros se tratem. Pois, como é obvíssississimo, quem
escreve, não importa se bem ou mal, precisa não de tratamento e sim de intensa
contínua leitura e prática e prática e prática.
Hoje
sou o feliz proprietário de inúmeros convites a me tratar. É assoberbante a
facilidade com que fulanos mandam sicranos se tratar nos variados fóruns
vicejando na internet. Se abrisse uma barraquinha digital na rede, enricava em
dois meses. O que não falta é neurótico acusando outros de maníacos.
Quando
me mandavam me tratar, pensava comigo mesmo e o Claudião que é frentista no
posto aqui na esquina: mas me tratar de que, afinal?
Sou
super-homem e super-homens, mesmo cheios de problemas, não morrem, não sofrem,
não vomitam, não tiram caca do nariz. Nós super-homens levamos uma vida
fictícia. Nós super-homens escritores, mais ainda. Mas veja (de novo), escrevo,
ou posso escrever, sobre qualquer coisa, menos sob e sobre o efeito da
criptonita. Não posso fazer dos gibis minha referência “literária”.
Outra
chatice de que super-homens estão livres são os ataques pessoais. Não os
aceitamos. E não os fazemos. Pois já nascemos sabendo que a vida fica mais
gostosa de viver assim. E também sabemos que, em termos de importância literária,
nada suplanta a honestidade das opiniões. E não há nada que me dê mais paz que digitar
corretamente e preservar a boa ortografia.
Certa
errada gente diz – e pensa – não o ser. Digo, não ser problemática.
Você
acha que tem cabimento uma coisa dessas?
E
pior: ainda se acham normais! (Essa também merece um pontão de exclamaçãozão ão
ão.)
Nós
super-homens somos super-homens exatamente porque o somos. Problemáticos, esquisitos,
maníacos, facilidade para cair em depressão e/ou estados psicóticos. Vivemos
enfiados nos mais aprazíveis culs-de-sac que deus já inventou. Se bobear,
entramos no mais puro e absoluto estado catatônico e não há segundo movimento da
Sonata ao luar do Ludwig que nos tire dele. (Dio, dio, dio, como ando
enumerador ultimamente.)
Sei
que você está se perguntando:
Como
você sabe que é de fato super-homem?
Afinal,
não voa, não tem visão de raio xis, tem uma audição hiperssensível mas tudo que
escuta são os eternos achincalhes de mamãe no eterno fundo de quintal onde não
cansa de reprisar sua vidinha, há anos não consegue erguer o aparelho de
telefone a cada chamada recebida, até que o telefone nunca mais tocou e hoje
faz parte do teu museu interditado com tua arqueologia mofada.
Resposta:
Bem,
sei que sou super-homem (e veja pela terceira vez, não estou dizendo que sou o único) porque toda minha existência se
limita a uma contínua tentativa de reconhecer minha própria humanidade.
Deu
pra entender por que sei que sou um dos super-homens do mundo?
Preciso
ser humano.
Inaugurar
minha natureza.
Catalogar
minhas passagens.
Catalogar
minhas idas.
Catalogar
meus retornos.
Catalogar
meus triunfos.
Catalogar
meus embaraços.
A
começar pela ideia de que viver é uma “provocação”. (Sei, as aspas aqui são
atípicas para quem é o que sou hoje – mas ando tão atípico.)
Minha
essência é provocativa.
Preciso
ser um provocador.
A
provocação é minha natureza.
Não
posso me conformar em provocar apenas literariamente.
A
controvérsia é meu sangue.
Me
recuso a ser resumido por uma lista de supermercado.
Listas
são, ora, listas.
Preciso
que cada azulejo na calçada que piso e repiso dia a dia dia após dia após dia após
dia após dia após dia após dia após dia após dia após dia após dia após dia após
dia após dia após dia após dia após dia após dia após dia após dia após dia após
dia após dia após dia após dia após dia após dia após dia após dia após dia após
dia após dia após dia após dia após dia após dia após dia após dia após dia após
dia após dia após dia após dia após dia após dia após dia após dia após dia após
dia após dia após dia após dia após dia após dia após dia após dia após dia após
dia após dia após dia após dia suscite em mim um poder de evocação.
Tenho
pavor de catálogos telefônicos, resultados de vestibular, listas brancas,
listas negras, listas dos livros que o Zé, o Evandro, a Cibele e a Nancy levariam para suas ilhas desertas.
Tenho
uma lista de meus poetas preferidos.
Ah,
que lista mais infindável, essa.
Venderia
de bom grado minh’alma a Mefistófoles pelo tempo, a paciência de lê-los um a um
verso a verso palavra por palavra até o último ponto final.
Vou
escolher um poeta em minha lista. Aleatoriamente.
Ana
Cristina César.
Tenho
algumas dezenas de poemas de César em meu disco rígido.
Quero
mais.
Preciso
de mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais.
Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais.
Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais.
Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais.
Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais. Mais.
Mais. Mais.
Então
dou uma razzia pela rede.
Não
acho nenhum que não tivesse lido.
Mas
trombo com um blog que fala da “magia da
poesia”.
Sacou?
Não?
Vou
ter de explicar?
No
problem.
O
blogueiro quer que vejamos algo extra-humano numa poeta que lutava segundo a
segundo à procura duma raiz da qual pudesse brotar da mais absolutamente pura
humanidade, entende tende ende de?
Não
tenho a pretensão de falar por Ana Cristina César, poeta que é poeta diz em
seus próprios versos tudo que veio ao mundo dizer, mas se há algo que a poesia
dela não tem é... magia! Não essa “magia”
cafona que os fãs consumistas de poesia mágica
pretendem enxergar em qualquer texto que se apresente no formato de versos.
Está
tudo errado.
A
poesia de César é uma batalha ferocíssima por encontrar o humano detrás dos
espantalhos e das fachadas que o mundo
(?) nos ensina a enxergar, fazendo de nós cultuadores delirantes.
De
quebra, nenhum poeta digno do nome escreve para nos elevar a um plano mágico e
assim nos roubar o que temos de mais doloroso e complexo – nossa dimensão
humana. E tudo que nossa dimensão humana representa, simboliza, significa e
encoxa nas pernas roliças da Adália, a mina que trabalha no caixa da bombonière
aqui na esquina do outro lado da praça contra o muro de tijolos descascados
atrás da casa da minha suave vizinha Suzana.
E
após o título “A Magia da Poesia”,
assim, com as iniciais em maiúsculas num arremedo da cultura documentística
americana, seguem-se centenas de comentários de leitores aspargindo louvores de
todos os odores imagináveis ao blog. O blogueiro, naturalmente, expert que é no
ofício do dente por dente olho por olho, não perde a oportunidade de agradecer penhorado
os elogios, um a um, mais preocupado em praticar public relations (qualé
mermão? sou poeta mas não sou trouxa) que em fechar os olhos e contar até
mil antes de se aventurar em mais uma fraude poética de cada dia.
A
grande maioria dos blogs “literários”
está recheada de puerilidades ilegíveis. Há uns anos tinha a pachorra de os visitar,
mesmo sabedor de antemão que raríssimos se salvavam. É demasiado dura minha opinião?
Sim, não é. Neste país de povo eternamente infantilizado é proibido dizer o que
se pensa. A franqueza ofende os pruridos dos pretensos literatos alienados em
seus mundinhos de crianças desafetas dos desafios do mundo real.
A
“literatura” na vitrine de grande
parte dos blogs “literários” em geral
é um repositório de confissões sentimentais que expõem a falta de intimidade do
blogueiro(a) com a experiência poética.
A
experiência poética é sublime (mas não mágica). Se for do tipo religioso, você
pode até dizer que é divina. Extraordinária (mas não mágica). Magnífica (mas
não mágica). Deslumbrante (mas não mágica). E fabulosa. E colossal. E chocante.
E terrível. E medonha. E poética. E mágica (mas não a magia que descortina
diante dos nossos olhos uma aurora resplandecente de cujo centro brotam raios
ultravioletas que nos queimam a retina).
No
mais das vezes esses blogs se limitam a depoimentos absolutamente pessoais, e
constrangedores, que parecem servir a um propósito escapista de quem não distingue
entre literatura e onanismo emocional, confundindo o fazer poético com o
rendez-vous obsceno, e doentiamente frustrante, da fuzarca facebookiana. Os
verdadeiros poetas não estão nas redes sociais, creiam. A verdadeira poesia
requer um tiquinho mais de legitimidade e discernimento e coragem de desemperrar
esse olhar que sabe-se lá há quantas décadas ficou travado num quadro
retratando uma aurora tropical e hoje se recusa a se voltar para dentro sem
enviar aos nossos intestinos um sinal para que borremos as calças. Coragem de morder
o nervo.
Coragem.
Quem
acha que antes de qualquer outra coisa nossa obrigação é exercer a urbanidade e
distribuir simpatia e, se for incapaz (quem, eu?), se angustiar com a impressão que seus maus
bofes podem causar em sua imagem “pública”,
que procure a primeira-dama do estado. Ou alguém de sua laia. Gente assim não
falta no mundo. Ao contrário de poetas de verdade.
Os
blogueiros boas-praças podiam ao menos deixar a poesia para os poetas.
Ou
seja.
Pararem
de chamar de poesia o que está a trocentos mil anos-luz da poética.
Você
acha que a poesia é sagrada?
Não,
evidentemente.
Para
o poeta.
Mas
que raios?
Mas
que merda?
Há
críticos de poesia que dizem que a poesia nada tem de sagrada.
Uma
das diferenças da poesia com o mundo lá fora é que não existe sindicato de
poetas.
Sim,
eu sei, já tentaram.
Na
URSS.
Em
Itabira.
Pasárgada.
Mas,
jesus, não dá.
Um
poeta que testemunhe o atropelamento de outro poeta na esquina aqui de casa que
dobra a segunda à esquerda na praça, esqueça, não vai sair correndo para acudir
o companheiro de profissão. Quando muito – e se é que será capaz de notar o
acidente –, fará um poemazinho mixuruca para celebrar a ocasião.
Pois,
bidu – para o poeta tudo na vida é uma ocasião.
Menos
as festanças e os desfiles e as cerimônias que os prosaicos vivem
criando para comemorar suas sem-gracices.
Poetas
têm alergia de ocasiões.
O resto, você pode deduzir.
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