Já não existem noites de bingo


A maioria lê não para entender, esclarecer, conhecer.
Lê para escapar.
A maioria procura em seus escritores “preferidos” um álibi para justificar os problemas que tem – ou pensa ter.
Aí está o problema: se tens um problema, teu escritor “preferido” vai apenas te ajudar a te conformar com teu problema.
Quando encontras teu escritor “preferido”, encontras também, no mesmo instante, a grande desculpa de que precisavas para ser o que és.
Pois não existem escritores preferidos para quem lê buscando esclarecimento.
Um bom escritor deve ser teu inimigo. Teu verdugo. Teu torturador. O traidor das verdades que pensas serem tuas.
Deve te negar a água quando estás com sede, o repouso quando estás fatigado, o bálsamo quando estás agoniado.
Bom escritor é aquele que expõe teus nervos à voracidade do mundo para que o mundo te ensine a contento o que é a realidade e bota sal e vinagre em tuas dores para que aprendas a ser homem e adulto e suportes tuas dores feito homem e adulto e te recusa te estender a mão quando tropeças e gritas ansiando por socorro.
Vejo todo mundo e sua prima citando Pessoa mas o que citam de Pessoa é apenas o que Pessoa tem de mais palatável e sentimental. O verdadeiro Pessoa, aquele que está submerso longe das vistas dos buscadores de aforismos e pérolas de sabedoria, é o Pessoa que se recusa o papel de ídolo.
García Marques, Guimarães Rosa, Clarice Lispector são grandes escritores. Mas cada um deles escapista à sua maneira. Embevecem seu leitor e, em embevecendo seu leitor, o aprisionam numa sub-realidade que nada mais é que um consolo para o mundo real de que esse leitor vive fugindo.
Escritor mesmo é Nelson Rodrigues.
Nelson Rodrigues é chato. Ranzinza. Cruel. Sujo. Impertinente. Inconveniente.
Se cochilas, te cospe na cara.
Não te dá arrego.
Te esfrega na fuça a merda que é viver.

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