Medonha noite risonha


Preciso.
Preciso aprender.
Preciso aprender a aprender.
Preciso aprender a aprender a fechar os olhos.
Preciso aprender a aprender a fechar os olhos e me sentir como todo ser humano já nascido neste mundo se sentiu ao fechar os olhos.
Preciso aprender a aprender a fechar os olhos e me sentir como todo ser humano já nascido neste mundo se sentiu ao fechar os olhos, sem tomar atitudes, indiferente à fome e à sede e à solidão e à ansiedade e ao pavor de que pela janela escura dos olhos entre uma lembrança intrusa da infância perdida que se associe aos milhões de amores prometidos por Bárbara e Marta e Marina e seus vestidos róseos esvoaçantes que me proibi de olhar por medo de ficar emocionalmente cego pelo resto da vida e já era tarde, como tardio sempre foi meu parto de que jamais poderei partir, me vestindo para o bailinho de sábado à noite pra variar sem me olhar no espelho, se há algo que posso dizer de que me orgulho é que não preciso me olhar no espelho, nunca precisei, por ter nascido vocacionado a pagar o preço, sempre paguei e ainda hoje pago o que for, não pechincho nem regateio, pago, pago e pago, pago mais, pago o dobro, o quíntuplo, com minha vida e minha morte, meus sonhos, meus ideais, minhas fantasias, minhas verdades e minhas mentiras, mama, afasta de mim essa tendência da raça ao choramingo consolatório, olhe para cima, veja, não há nada escrito entre as nuvens, não há significados ocultos nas estrelas, sequer estrelas há, há?, mama, não vou longe, nunca quis ou tentei ir, é palavra que não compreendo, sou e sempre serei perto e quem quer que se disponha a discutir comigo a poesia concreta, a melhor marca de celular, que venha, estou e sempre estarei aqui se aqui for o apartamento em que Marina ou Marta ou Bárbara combinou de me encontrar pedindo que não passasse a colônia pós-barba, ao que optei por não rir, não uso essas coisas não, meu anjo, há décadas não faço a barba, sim, pode dizer que é protesto contra meu pai, quão glabro sempre foi papai, roceiro escanhoado mesmo no caixão pronto para a recepção dos anjos, se sou autocondescendente? Que pergunta mais cafona, nunca mais pensei assim depois do Lobo da estepe de Hesse, veja como ainda cuido dos itálicos, é que ainda preciso aprender, ainda não aprendi, ainda não aprendi a aprender a fechar os olhos e fechando os olhos me sentir como se sentiu o mais humano dos humanos já nascidos neste mundo ao fechar os olhos.

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