Incessantemente não

Não me pergunte por quê.
Pois é a mais cafona pergunta que se pode fazer neste mundo e nesta vida e nasci alérgico a cafonices.
É o maior lugar-comum que existe nesta e em todas as outras línguas e nasci com anticorpos para clichês.
Não me pergunte por que porque esta é a pergunta que todo infante faz logo ao nascer, mesmo sem ainda conhecer as palavras. Porque é a pergunta que todo velho, já exausto das palavras, refaz pela bilionésima vez um segundo antes de seu coração perpetrar o derradeiro batimento depois de tê-la feito ao longo de toda a vida a cada nova pulsação. Porque é a pergunta que se forma em nossa mente já ao nascermos feito um pecado capital, é a pergunta que herdamos de nossos predecessores, a pergunta que legamos aos nossos descendentes.
É a pergunta que o mundo inteiro se faz o tempo todo, a pergunta que atormenta o poeta enquanto estuda as estrelas, a pergunta que inquieta o gênio que calcula equações do quarto grau, a pergunta que martiriza o idiota perplexo ante a imponderável injustiça de ter nascido idiota.
Não me pergunte por que de manhã, pois, se o fizer, essas duas sílabas infernais haverão de martelar em minha cabeça até o fim da minha jornada, se perpetuando em ecos a ricochetear nas paredes do meu cérebro ao desvario. E, obviamente, não me pergunte por que à noite se não quiser assistir ao lamentável espetáculo dum sujeito a se banhar de suor enquanto se revira por sob os lençóis a gemer choramingos patéticos, a grasnar xingamentos insanos, enfastiado ao delírio com a mortal dança das sombras ante seus olhos esbugalhados.
Não, não me pergunte por que durante uma caminhada pelas ruas tomadas de gás irrespirável, pois hoje e sempre não tenho destino, não me pergunte por que dentro desta casa entulhada de recordações impossíveis que nunca me dão um segundo de trégua, não me pergunte por que aqui ou ali nem durante o café-da-manhã ou depois da janta, não me pergunte quando estiver sóbrio ou ébrio, triste ou alegre, lúcido ou atordoado.

Não me pergunte por quê. Pois, se perguntar, sou bem capaz de responder.