VIngança

A dor passou?
Espero que não.
Você tem dor que nunca passa?
Eu tenho.
Dor de garganta, dor de consciência, dor de cotovelo, sou o zé das dores.
Nunca fiquei um minuto que seja sem algum tipo de dor.
Não sei viver sem dor.
Não sei compreender quem vive sem dor.
Pra você aí que se proclama feliz, maluquete da silva, né?
Sendo tão sagaz, sacou de cara.
Sempre acontece.
Todo mundo, tão sagaz.
Essa capacidade extra de detectar malucos.
Só outros malucos da minha laia me aceitam mais ou menos como sou.
Os felizes, os limpos, os sãos, os íntegros fogem como se eu tivesse lepra.
Um dia escrevi uma história.
Zezinho lasca uma machadada no cocuruto de Mariazinha.
Assim do nada. Foi lá e pkatcjakha!
Dia seguinte vieram perguntar que loucura era aquela.
E se foram, emburrados.
Minha historiazinha se baseava em “fatos verídicos”, como dizem nos filmes.
Numa escola perto aqui de casa, um garoto chamado David levou o revólver do pai à escola, atirou na professora e em seguida se matou.
Eu queria perguntar aos íntegros, aos sãos, aos limpos, aos felizes se agora eles entenderam.
Entenderam o que é ficção, entenderam o que é realidade, seus porras?
Me senti meio profeta.
O mais infame na história é que nenhum íntegro, nenhum são, nenhum limpo, nenhum feliz foi capaz de sacar que David estava desesperado àquele ponto.
É na mão desses íntegros, desses sãos, desses limpos, desses felizes que está a "sociedade".
Os sensatos, os de bem com a vida, os normais.
Sabe minha gana nessas horas?
Minha gana nessas horas é meter uma marreta em minha própria cabeça
Entoar meu cântico do pêndulo.
Ói, ói o pêndulo.
Pêndulo, me canta tua dor.
Ói, ói o pêndulo.
Acho que é o que o pêndulo quer.
"Eu estava com uma baita dor".
Querendo puxar conversa de novo, né, seu pêndulo?
Entendo. Acontece com muita gente que se julga autossuficiente e pensa poder prescindir dum poeta.
Um dia alguém me disse que não sei usar minha "sensibilidade de poeta" ou algo assim.
Fiquei impressionado. (Tudo bem, estou sempre impressionado.)
Será que minha sensibilidade é especial? pensei.
Ou apenas mórbida?
Mas valeu, não valeu?
Digo, você pelo menos viu que se meter com poeta é barra.
Uma vez escrevi um textículo chamado "Barraco metafísico na noitinha..."
É um manifesto dum poeta (eu) a uma mulher (ela) que está deixando ele.
Exatamente por ser poeta.
Mas quem quer um poeta?
Todos procuram é um guru.
A  quem possam consultar como se fosse o Oráculo de Delfos, esperando que de sua boca espirrem pérolas da sabedoria.
Hoje sei que ela (você) entendeu.
Me recusei a servir de sabonete (ou qualquer outra porcaria que se compra no mercado).
Quando entendi fiquei indeciso se caía na gargalhada.
Me limitei a ficar estupefato.
Certas perguntas não se fazem a um desconhecido.
Não se perguntam a ninguém.
Somos todos vítimas.
A mulher deixou o poeta sem deixar escapar uma gota de sentimento.
Perplexo de novo (SERÁ QUE NUNCA DEIXAREI DE SER PERPLEXO, PORCO DIO?), me espantei de já não ser dono de todas as respostas.
A mulher que deixou o poeta é tão peculiar.
A mulher que deixou o poeta é tão singular.
Única no mundo.
E se um dia tiver um filho poeta? agora quem pergunta sou eu.
Vou querer ver a barriga.
Rechonchuda, tetas intumescidas, ar bonachão-protetor-ensimesmado próprio das prenhas.
Lá se vai ela com sua cara de enjoada.
E seu semblante imperscrutável.
Altaneira, ar nobre, distante, desapaixonada, sentimentos sem adjetivos e perguntas sem resposta.
Acho que sim.
Vale a pena ter um filho poeta mesmo sendo mulher sem paixão.
Vale a pena qualquer coisa.