Aquele sou eu?

Se for me amar, me ame sem ponto de exclamação. Me ame sem reticências. Sem ponto de interrogação.

Era (mais ou menos) assim o bilhete que um dia deixei para Sílvia na mesa da cozinha, do lado da fruteira vazia.
Se num dia ensandecido qualquer decidisse fazer um letreiro em neon, seria esta a epígrafe.
Tinha no momento Trains and boats and planes dos Box Tops na cabeça que viajava em todas as direções e estava alucinada de dor e autocomiseração e me fazia me sentir o sujeito mais sozinho desta parte debaixo da Via Láctea.
Mas não a ponto do choro.
Não choro.
Não sei chorar.
Nunca chorei em minha vida.
Um dia fui num médico crente de que estava enfartando, doutor, esse baita peso no peito, só pode ser veia entupida, quantos dias me restam de vida? ele me olhou me achando um pateta e riu, é choro represado, meu amigo. Bota a boca no mundo, que passa.
O insight foi poderoso.
Desatei em lágrimas (fiozinhos abundantes como se um dique tivesse rebentado dentro de mim).
Não liguei a mínima por fazer papel tão ridículo na frente dum estranho.
Saí ensimesmado do consultório, só pode, nunca chorei, nunca chorei na infância, nunca chorei na adolescência, sou um cara estóico, quem me lê neste blog de certo me acha um choramingão de marca maior.
Mas, posso assegurar, é charme, é dramatização, o que enceno não está no gibi, preciso atualizar minhas expressões idiomáticas, o pendor pelo drama é mal de família, mamãe era a drama queen do bairro, meus tios representavam canastrões da vida real, é por que isso que cresci dizendo que sou um mau ator no meu próprio papel.
Ninguém despontou para o teatro na família.

Talvez aí mesmo esteja o motivo, será o ator, não importa se bom ou ruim, um sujeito que vive a vida real com os pés no chão, reservando seus dotes para extravasá-los em toda sua potencialidade no palco, perito na arte de separar a realidade e o palco? No mesmo raciocínio, será que um sujeito que carrega de negras tintas as situações vividas no dia a dia um inapto para o mundo da simulação artística? (E olha que ainda nem toquei na tragicomédia.)

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