Manhãzinha de domingo

É dada a largada!
Ou melhor, rola a bola no parque!
Isto é! O que quer que seja que ainda não havia começado sabe-se lá quando ao som do terceiro movimento da sonata trinta e um, opus cento e dez, do olheiro Ludwig.
A bola da vez se posiciona para receber. Parece estar atacando. Quer dizer, não sai da defesa. Nunca saiu, essa é que é a grande verdade.
Outra verdade, esta maior ainda, é que são... Contemos: um, dois, oito, trinta e quatro... Incontáveis participantes. E cada qual se multiplica em outros tantos. É fantástico, torcida canarinha!
Peraí! Chutar a cabeça do adversário é falta! Do companheiro, pior ainda. A própria, então nem se fala!
Prrrrriiii! o juiz apita.
Prrrrriiii! o outro juiz responde.
Prrrrriiii! junta um terceiro.
É juiz que não acaba mais, gente! Mas será o benedito? Haja superego, se nos permitem uma piadinha sem graça, hehehe.
O jogo recomeça com um desataque do ataque. Se o torcedor então estiver esperando a contrapartida, pode desistir. Um ou mais recua para aquém do campo de defesa extravasando ante além do perímetro espiritual até que de repente o goleirão pega a peteca, mira, recua a perna quase até encostar o calcanhar nas costas, pula na onda e... pimba! QUE STRIKE! Um petardo de duzentos e cinquenta metros de existência e dá-lhe pausa para reassestar as baterias, recuperar o fôlego, auscultar o coração!
Enriquecedora vaia da torcida. GOL, SÓ SE FOR CONTRA! bradam os mais incandescentes, cujas cabeleiras começam a pegar fogo qual fósforos humanos. Pena que nossa tevê é a cores!
Tem um pobre coitado que parece perdido no meio do campo. Deste lado também. E daquele. Não é à toa, macacada do meu Brasil! Nem Borges seria capaz de encontrar o caminho nesse labirinto.
Por falar no Jorge Luis, a bola passa por entre as pernas do sujeito, que, como todos estão vendo, é cego e perneta. O público xinga a mãe, que, coincidentemente, é a técnica. Aqui e ali escuta-se uma voz a exigir substituição. O capitão da equipe estica o dedo do meio para um grupo de sirigaitas que se agitam na arquibancada. Em resposta, as assanhadas abrem as pernas e lambem os beiços. Estarão todas sem calcinha? Mais atitude, menos simbologia! debocham aos berros. O defensor, humilde como sempre, reconhece o erro e pede pra sair. É de arrepiar, nação verde-amarela!
Epa! Que é que isso? O lateral está descolando um lançamento milimétrico para si mesmo! Então corre, se posicionando na saída do alpendre. O goleiro jaz caído, aparentemente morto, a névoa que cobria o quintal se dissipou,  a torcida silencia como se fosse composta só de cadáveres. Essa tá no papo! se congratula o centro-avante. É só cabeçear e partir pro abraço. O tento mais feito da história. As respirações se represam.  Os olhares se vitrificam. O contra-artilheiro estufa o peito, impulsiona o corpo para o alto no mais brochante salto de sua carreira, mete a testa na redonda e... INACREDITÁVEL, MEU POVO! O beque do outro time surge do nada e abate nosso heroi cum taco de rodo.
Os ânimos se acaloram. Nas numeradas, um grupo de parentes olvidados ameaça entrar em campo, provavelmente para ajudar no massacre do estrupício. A turma dos amores perdidos toda se agiganta, batendo palmas e açulando, sendo logo acompanhada dos inúmeros amigos que nem vieram por terem preferido visitar o zoológico. Os vizinhos começam a deixar o estádio, satifeitos. Todos tiram fotos e apagam. Cadê os bichinhos de estimação, cáspite?
E assim se esvai na atmosfera da câmara escura mais um amargurado e murmurejante relâmpago da cabeça do nosso dileto capiongo.
Até a próxima, folks!


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