Doces selvagens

A violência emana dos risonhos lindos bosques.
Enquanto a brava gente pasta de rabos entre as pernas pela pátria salve salve.
A promover das violências, a mais nefasta.
Surda: devora sem ruídos incômodos.
Democrática: ceifa sem pedir passaporte ou RG.
Os filhos que não fogem à luta se trucidam maciamente — nem pensam em estampar no auriverde pendão suas carrancas de ódio.
Uns, assassinos pela própria natureza. Outros, estupradores da mãe gentil.
Em breve todos os conflitos nacionais se diluirão sob a catarse nos campos. O delírio nem precisa substituir a realidade.
O matador realiza seu desejo de infância. Desde o esplêndido berço sentiu na pele que não teria escolha.
O matado realiza o desejo da mídia e dos consumidores da mídia.
E a família pela enésima vez lembra que nem tudo se resume a estatísticas.
(É questão do lado em que você está do balcão.)
A maioria, porém, ainda não se convenceu.
Nunca haverá de.
A história da humanidade não ensina que há males que vêm pra bem?
Lamentável mas antes ele do que eu.
Melhor na rua de cima do que nesta.
O povo heroico é meio dado a loteria.
Dos duzentos milhões, quase meia dúzia ficou rico. Destes, metade foi trucidado por um não afortunado no lance dos dados.
A Globo martela incessantemente em nossos ouvidos que o futebol é o esporte pátrio. Se até Nelson Rodrigues acreditou, que mais se poderia esperar da brava gente que habita o florão da América? Se alguém ousa erguer a voz para negar, eles simplesmente soltam salvas de rojões para não ouvir.
Assim seguimos a trucidar cooperativamente.
Ao trucidador ofereço minha simpatia por não ter trucidado a mim ou um dos meus.
Não se esqueça desta minha oferenda caso nos encontremos numa quebrada da vida.
Trucide à vontade, vou olhar pr'outro lado.
Vou olhar a tela da tevê.
Vou olhar a página do meu perfil no facebook.
Sou mais um daqueles — desses? — sujeitos que, quando veem algo estranho sabem que nada pode ser insuportavelmente estranho às margens do Ipiranga.




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