Trataremos hoje duma das
mais simples questões da Poética, a saber: como escrever um poema para uma
porta.
Pode parecer complicado
à primeira vista, admito. Os Cientistas Vaticinais ainda não determinaram com cem
por cento de precisão se as portas ouvem, e se ouvem, se podem compreender um
poema.
Para fins deste nosso
pequeno estudo, porém, daremos de barato que, sim, as portas ouvem e, sim, as
portas são sensíveis a estímulos neuro-onírico-emotivos. É lícito concluir,
portanto, que, a despeito de sua imensa simplicidade, as mesmas têm capacidade
para alcançar o sublime.
Ao contrário das
crendices disseminadas entre o vulgo, a porta à qual o poeta pretende dirigir
seus versos pode constituir-se de aço, madeira, plástico ou outros materiais
menos nobres. Não im-porta. Mesmo que boie nas intrincadas nuances dos
significados subjetivos, a cuja de certo saberá apreciar um trocadilho. Se for
de cerejeira, na certa haverá de captar a força expressiva de um dito
espirituoso qualquer. Não neguemos: já é alguma coisa.
Uma porta pode ser
inspiracional, afinal au au?
Tendemos a concluir que
pode, sim. Por que não? Imagine uma porta aberta. Uau au au. A imagem incita ou
não incita uma estrofe, por humilde que seja eja eja? Uma porta aberta enseja eja
eja liberdade de entrar e sair, mobilidade, possibilidades de misteriosas
travessias. (Mon dieu, ai que gana de elaborar,,,!)
E o que podemos dizer,
então, duma porta fechada?
Mais: uma porta
enigmaticamente cerrada, uma porta trancada a sete, oito, nove chaves, uma
porta com sisudos ferrolhos de alto a baixo, ai que prodigiosa fonte de
imaginação para o verdadeiro poeta.
Ante uma porta fechada,
um poeta, mesmo que inverdadeiro, no mínimo poderá exclamar "Abre-te
Sésamo!". Se a miserável não se abrir, o pobre aprenderá ao menos que as
portas, fechadas ou abertas, são surdas. O que, convenhamos, não é pouca
porcaria.
E não param por aí as
potencialidades da arte de declamar para uma porta.
Por exemplo, um poeta
mais criativo de repente pode ter a fantástica ideia de bater toc toc toc,
mesmo que a desgramada esteja já aberta. E se não for capaz de sacar a profunda
implicação dessa metáfora, então o cara errou de profissão.
Outro exemplo é que ele
pode tentar atravessar por uma porta "devidamente" fechada. Nesse
caso irá simplesmente dar com o nariz na desgraçada. E se for de fato poeta na
acepção da palavra sentirá na pele o que é fazer um poema para uma porta.
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