Eighth of the Year

David Foster Wallace me ensinou que a nostalgia pode ser um sentimento espúrio quando, açoitada pela indústria cultural, nos leva a consumir o passado como se fora uma lata de bolachas recheadas de açúcar.
Camus me ensinou que o romance é acima de tudo um exercício da inteligência a serviço duma sensibilidade nostálgica ou revoltada e que, mesmo assim, não pode nos salvar do destino absurdo que nos aguarda, morrer.
Nietzsche me ensinou que nunca vejo as coisas passadas em sua verdadeira perspectiva nem lhes dou o valor justo. Também me ensinou algo que eu já aprendera sozinho: a capacidade do ser humano de construir imensos castelos de areia na tentativa de sustentar suas mentiras.
Christopher Lasch me ensinou que nostalgia é o sentimento de que o passado escondeu de mim delícias que só fui descobrir quando já era tarde para desfrutá-las, levando consigo um tempo que, estando irrecorrivelmente perdido, se tornou atemporal e imutável. Assim deserdado dos meus prazeres nostálgicos, sou presa fácil do narcisismo epidêmico que devasta os indivíduos nesta época de molengas entregues ao sibaritismo.
Proust me ensinou que, mergulhando um bolinho numa xícara de chá, posso ressuscitar um passado que julgava morto, me forçando a me render atônito à verdade de que, na apreensão das coisas, meu intelecto pouco vale face ao imperativo da experiência dos sentidos.
Kafka me ensinou que o sentido da vida é que ela, vida, acaba.
Ontem, na meia hora que passei no buteco da esquina, fui plateia de interessantíssima preleção dum desconhecido assaz falastrão.
Me contou ele, entre peripécias mil de sua vida igualmente interessantíssima, que mora em Salto, trabalha em Santo André e nas horas vagas constrói móveis como passatempo. O Kundera também, fui pensando enquanto o marceneiro palavroso enumerava as infindas vantagens de se construir os próprios móveis ao invés de comprá-los nas Casas Bahia.
O Kundera também, o pensamento martelava na superfície do meu cérebro a me distrair de mim mesmo e dos chatos do mundo. Menos quando ele, Kundera, não está escasquetando com os mistérios da vida.
Não me importo muito de baixar a guarda e cair nas mãos dum falastrão destrambelhado uma vez por ano. Sempre procuro extrair algo útil da experiência. Em geral aprendo, ano após ano após ano, que no ano que vem preciso fazer o possível e o impossível para ficar milhas longe desses seres linguarudos que têm na verborreia a própria razão de ser.
Enquanto o tagarela ia desatando a língua eu ia matutando quão triste é esta minha sina de caçar na obra de escritores, poetas e pensadores os ensinamentos que meu pai não pôde me dar. Ou, o que dá na mesma, eu não fui capaz de captar de tudo que ele certamente me deu. Enquanto o boquirroto ficava cada vez mais expansivo e eloquente, palrando feito papagaio sobre a melhor madeira para fazer mesas e o melhor prego para pregar cadeiras, eu ia matutando, ávido feito uma criança que mal vê a hora de chegar o Natal para ganhar seus presentes, que é que ia escrever quando finalmente voltasse para casa.


Nenhum comentário:

Postar um comentário