Ninth of the Year


Está razoavelmente bem hoje. Saindo estraçalhado embora mais ou menos recuperado dum estado de ruína pelo que passou o último fim de semana, um dos mais trágicos da sua vida. Agora relativamente lúcido. E já preocupado em sobreviver como qualquer cristão, tentando aportar no paraíso como qualquer cristão.
Neste exato instante está em trânsito. Mas não se anima sequer a fazer joguinhos lúdicos com a ideia como costuma fazer. Está em trânsito, period. Só espera chegar incólume aonde quer que esteja indo.
Em tardes pós-ruína como esta procura encarregar seu “coração” de falar por si e neste momento vê que seu “coração” não está sendo sincero. Vê também que “ele” está se contendo porque continua morrendo de medo. Se dá conta de que está repetindo está está está e lamenta, mas quer falar dum estado e o verbo mais apropriado é esse. E pela primeira vez de que se lembre quer falar de seu coração embora lhe soe tão cafona e a imagem duma dupla caipira fique pipocando em sua cabeça. Nunca falou assim. E não é só seu coração que está com medo. Ele também está. Está com medo de que sua inépcia em lidar com o mundo e com os seres que nele vivem o leve de volta ao desastre. Talvez – talvez no duro, não está bem certo – talvez seu problema, ou um dos maiores dos, seja não ser averso à ruína. A ruína lhe é perigosamente familiar, mesmo em seu estado mais natural e ordinário. É na ruína que esfacelado e espalhado no chão aos pedaços se identifica e em se identificando pode ir tentando se reconstruir. Simples qual um quebra-cabeças insolúvel. Seu quebra-cabeças.
À medida que vai se explicando fica pensando como detesta se explicar. Não sabe se explicar. Se sente um tolo se explicando. As únicas explicações que dá, as dá exclusivamente a si mesmo. Escrevendo. Provavelmente seja por isso, entre outras, que não sabe conviver. Que não é gregário. Manter um blog o tem levado a ousadias e confissões que são absolutamente impossíveis em seu mundo pessoal. (Mas vê por todo lado gente online reclamando da mesma dificuldade e confessando que têm de se resignar com a companhia de seus cachorros. (O que não é seu caso. Nem sua cadela mitiga sua solidão.))
Certo, é explicação demais para quem se diz averso a dar explicações. Obviamente. Mas está rodeando assim precisamente pela razão por que as pessoas em geral cometem rodeios. E fazer rodeios o faz sentir-se tão ridiculamente mais tolo.
Tem consciência de que é um elefante numa loja de cristais e, para seu próprio espanto, não desgosta totalmente da ideia. Mas, ao contrário do desastrado “normal” que não sabe que é desastrado, sabe que é. Só não sabe exatamente que tipos de desastre causa com sua falta de jeito para lidar com os cristais do mundo.
Como um elefante estabanado, se acha na obrigação de alertar os outros para que não esperem dele nada que preste. Tem feito tal alerta amiúde, talvez não tanto quanto desconfia ser preciso para se tranquilizar, talvez não tanto quanto pensa que seria prudente aos outros.
Sempre toma de barato que seus escritos, à disposição para consulta do seu público de quase três leitores, sejam suficientes para mostrar quem é e como é.
Talvez use seus escritos ardilosamente para se escusar preventivamente das mancadas que sabe dará cedo ou tarde.
Mas acima de tudo prefere se magoar a magoar alguém. Sabe ser um autossabotador. Se sabotar é o que faz sempre, indiferente ao fato de a autossabotagem ter virado moda duns anos pra cá. Talvez fosse melhor parar. Talvez seja pedir demais.


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