Não, não, não. Estou mentindo. De novo.
Posso estar, não senhor. Decididamente estou. Como sempre estou. Nasci
enganado, morrerei enganado. Sobretudo, vivo me enganando. Não tem jeito não.
Há muito desisti de mudar. Porque não sei nem quero mudar. Adoro me enganar.
Vivo pra me enganar. Sou meu detetive, sou meu suspeito. Sou meu caçador, sou
minha caça. Se labirintos não existissem, eu construiria um só pra me perder...
e me encontrar... e me perder. Meu barato está na perda. Só assim posso
encontrar, verbo intransitivo. Encontrar o quê? O que quer que seja. Não posso
ficar parado. Meu coração não pode ficar parado. Precisa de paixão constante. A
mesmice seria letal. Caminhos batidos me dão tédio. Gente incapaz de tirar os
olhos do próprio umbigo me dá sono. Gente que, por segurança, comodismo ou
preguiça, precisa seguir a mesma rotina dia após dia, sempre termina por reagir
da mesma forma a tudo e todos, falando sempre as mesmas coisas, agindo sempre
da mesma forma. Que aborrecida previsibilidade, conveniente só pra quem precisa
dela ou é incapaz de aceitar o novo. Cada novo dia é uma nova floresta em que
hei de me embrenhar. Me excita acordar e começar a imaginar os incontáveis
novos caminhos que haverei de explorar até chegar a hora de fechar os olhos novamente.
E sabe o que é mais gostoso? O mais gostoso de tudo é que, para isso, não
preciso pegar a Imigrantes num feriadão ou enfrentar a barra dum aeroporto.
Está tudo aqui dentro, ao alcance dum pensamento, ao toque destas minhas
teclinhas miraculosas. O que me faz prosseguir é saber que cada dia é inédito,
não um medonho, um soporífero clone de ontem.
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