Fifteenth of the Year

Enfim nos reduzimos ao mundo verbal em que todo mundo e a ocupação do metrô na hora do rush tagarela sem parar, respondendo ao impulso oral, não dando lhufas a que suas palavras tenham ou não sentido.
Eis que somos enfim nossas palavras. E, a julgar por elas, não somos grande coisa. Até há pouco ainda líamos Shakespeare e tínhamos respeito pelos mestres da língua. Hoje somos os mestres. De quebra, derrotamos a língua.
Se parla pelos cotovelos internet afora atendendo a uma comichão universal de botar pra fora. O que exatamente, ninguém sabe, ninguém liga. É a oralidade inócua, externação do produto dos músculos da mandíbula, interminável novena de cochichos. a mais entediante reza do terço do mundo.
Línguas coçam, olhares sonolentos acionando dedos que não sabem ficar quietos, disparam tecladas mecânicas.
Os falastrões estão no comando. Ninguém mais tem rosto, background ou história. Não queremos mais saber com quem estamos falando. Muitos sequer mostram a cara, o que, queiram admitir ou não, é um absurdo. No mundo concreto ocultar a identidade é sinal de más intenções. Neste, não é sinal de nada.
Nada é sinal de coisa alguma.
A razão é óbvia: assim os personagens ocultos sob o “anonimanto” podem vestir suas fantasias e brincar de grandes. Grandes qualquer coisa. Ou aproveitar para se mostrar pequenos como nasceram.
E o resultado concreto da universal presepada qual é? Nenhum. As mentiras virtuais são mero reflexo das convencionais. O mundo continua a desandar como sempre, o angu vem insosso como nunca. E o sabor de superficialidade nunca passa.
Tal como lá fora, erros não são reconhecidos. Fanfarronices são ignoradas. Não há desafios, a ação segue desestimulada. A parolice malemolente acoberta o conflito – tal como lá fora – a fajutice da nossa democracia que não permite que uns se mostrem melhores que outros vai solapando intelectos e personalidades. A internet deu uma voz a cada um. O vestibulando se acha no direito de ensinar o mestre, a noção de mérito se perde, ninguém se avexa de palpitar, nas escolas alunos espancam professores.
O Grande Fórum é de fachada, ninguém corre riscos, os tiros são de festim, o debate é um simulacro, um congresso nacional em miniatura em que as grandes questões são deixadas de lado enquanto os congressistas de chamam de Va. Exa.
A polêmica hiperrecheada de gabolice está vazia. Como no mundo de verdade, a cacofonia de cada voz se perde em ensurdecedora harmonia. Esta arena é feita de peças e personagens Lego em que os participantes simulam uma guerra de mentira onde o sangue é feito de suco de tomate.
Entrementes o sangue prossegue a esguichar nas ruas de cada cidade, se derramando para alagar cada esquina deste Brasil varonil em que os amestrados de Painho Lula só pensam em comprar o próximo modelo de tevê de CL.
Sangue, eu disse? Pronto, os poucos empedernidos que ainda me liam acabam de ir-se embora, enojados que um chato insista em cagar na mesa repleta de cristais cheios até a metade de Don Perignon da sala de jantar de mogno extraído da Amazônia.
Dizem que o facebook já ultrapassou a marca do primeiro bilhão de membros, e parece que faz algum tempo. Em breve todos os viventes que tiverem um PC estarão “curtindo” something somewhere someday somehow. Estraga-prazeres como eu não têm vez nessa maravilha do novo, admirável mundo. Tenho essa terrível tendência a melar as relações cordiais do distinto público. Afinal tudo que todos querem é preservar esse estado hipnótico em que fazem uma mediazinha mútua, puxando o saco uns dos outros, trocando figurinhas enquanto teclam sonâmbulos.
Preclaros senhores e senhoras, não se preocupem, contudo. Para alegria geral do povão hipnotizado, em breve não haverá mais chatos no mundo online. Os espíritos irrequietos, e inquietos, muitos dos quais ao longo dos nossos cinco mil anos de civilização fizeram questão de se rebelar apenas pelo prazer do espírito-de-porquismo, hoje têm assessoria de imprensa, escrevem na Folha e se deixam tratar com honrarias de celebridades.
Quando você um dia sentir falta duma voz desafinada no eterno coro dos contentes, puf! Já era. O facebook e congêneres terão reduzido a dissidência a paçoca.
Então será tarde, baby. Só te restará se resignar a dormir online.

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