Fourteenth of the Year, dio porco

Antes de mim
As pessoas não dormiam chorando
Nem deixavam portões abertos ao passar sorrindo distraídas de alegria
Não cochichavam entre si, com dissimulação estudada, o que pareciam ser os mais obscuros segredos possíveis entre dois seres, só para causar inveja em quem eventualmente as observasse
Não cultivavam diligentes, não levavam até o túmulo uma visão fugaz que um dia as impressionou na mais longínqua infância
Tinham coração e não deixavam que se despedaçasse tocado por vozes de fada sob terno olhar ou gratuito escárnio, uma dessas pequenas derrotas do dia a dia, uma jura de vingança ciciada entre dentes por lábios que ainda ontem  foram beijados com apaixonada doçura
E as ruas eram ladeadas por calçadas de pedras que não se deixavam polir por séculos de solidão


Antes de nós
As pessoas não choravam nem riam
Não havia portões nem alegria
Nem calçadas nem ruas
Eu não olhava para trás


Durante você
Ganhei da vida um presente
Carregado de sentido
Quando por dentro me revestia de nojo
As esperas vãs deixaram de ser vãs
Pra quem contava com a caridade alheia
Um desformigamento
Desconfuso
Pardais não grilavam de noite, grilos não cricilavam de dia
Um risinho matinal nasceu nestes lábios sempre tesos
O antipiloto abandonou seu posto



Depois de nós
O dia nega a noite
Nada por que, ninguém a quem pedir socorro
A espuma do vestido de renda já não se derrama ao redor dos teus pés na grama verde do parque em que os velhinhos jogam damas
Espero sem esperança
Poeta paroxítono empalhado em minha cadeira giratória
Olhos pétreos pros teus olhos que um dia foram de rapina
Boca aberta pros teus seios secos
Esquecido do que raios mais vasculhar

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