Antes de mim
As pessoas não dormiam chorando
Nem deixavam portões abertos ao passar sorrindo
distraídas de alegria
Não cochichavam entre si, com dissimulação
estudada, o que pareciam ser os mais obscuros segredos possíveis entre dois
seres, só para causar inveja em quem eventualmente as observasse
Não cultivavam diligentes, não levavam até
o túmulo uma visão fugaz que um dia as impressionou na mais longínqua infância
Tinham coração e não deixavam que se despedaçasse tocado por vozes de fada sob terno olhar ou gratuito escárnio, uma dessas pequenas derrotas do dia a dia, uma jura de vingança
ciciada entre dentes por lábios que ainda ontem foram beijados com apaixonada doçura
E as ruas eram ladeadas
por calçadas de pedras que não se deixavam polir por séculos de solidão
Antes de nós
As pessoas não choravam nem riam
Não havia portões nem alegria
Nem calçadas nem ruas
Eu não olhava para trás
Durante você
Ganhei da vida um presente
Carregado de sentido
Quando por dentro me revestia de nojo
As esperas vãs deixaram de ser vãs
Pra quem contava com a caridade alheia
Um desformigamento
Desconfuso
Pardais não grilavam de noite, grilos não cricilavam
de dia
Um risinho matinal nasceu nestes lábios
sempre tesos
O antipiloto abandonou
seu posto
Depois de nós
O dia nega a noite
Nada por que, ninguém a quem pedir socorro
A espuma do vestido de renda já não
se derrama ao redor dos teus pés na grama verde do parque em que os velhinhos
jogam damas
Espero sem esperança
Poeta paroxítono empalhado em minha
cadeira giratória
Olhos pétreos pros teus olhos que um dia
foram de rapina
Boca aberta pros teus seios secos
Esquecido do que raios mais vasculhar
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