Alguém tem o celular da Melanie?

Outro dia mandei prum rapaz um poemeto acompanhado do seguinte comentário: "Fiz uma porcaria pra você".
Ele ficou puto e só então me toquei, é o tipo de gafe que cometo amiúde úde úde, nunca consegui prestar muita atenção nos ritos sociais dos humanos, muito menos nos mecanismos pelos quais eles se desencadeiam. No momento em que escrevi tal comentário pensei, bom tudo que escrevo é porcaria e achei absolutamente natural, que diferença faz uma asneira literária a mais ou a menos?
John Denver agora, de novo. All my bags are packed, I'm ready to go, I'm standing here outside the door, I hate to wake u up to say gooobye. Duca, né? Odeio te acordar só pra dar tchau. Poesia não é só dinamitar os significados possíveis da palavra pra criar a porra do arrebatamento. Há umas semanas tirei o dia pra ler um livro que está disponível inteiro num website americano, parece que o nome do autor é David McGowan ou que tal. (Preciso me livrar dos que-tais.) Trata de (mais) uma das teorias conspiratórias em que nossos irmãos iankes tanto se amarram. Acabaram meio tantãs da cabeça de tanto lixo fantasioso de Hollywood. Nem tudo é TC (teorias conspiratórias), porém. Na época da Guerra Fria o pavor de levarem uma bomba de hidrogênio no meio do rabo tinha correspondência na realidade. Conheci então uns americanos que tremiam quando tocávamos no assunto. Se Kruchev não fosse aquele sujeitinho folgazão, podia muito bem ter dado o pontapé inicial na refrega nuclear durante o episódio da Baia de los Porcinos em Cuba. Kennedy era infinitamente mais belicoso e valentão que o russo e não teria hesitado em retaliar um ataque com o full power de seus mísseis intercontinentais e dos incontáveis bombardeiros e submarinos que rondavam, e ainda rondam, todo o espaço aéreo e todos os oceanos do planeta. Depois da Guerra Fria as TCs vêm prosperando com base no poder militar descomunal dos EUA e da impossibilidade de baixar um controle mínimo sobre os órgãos de inteligência. Provavelmente nem o presidente sabe quantos são seus funcionários e suas missões e funções e quanto levam de recursos dos pagadores de impostos. Essas agências têm vida própria. Ninguém sabe o que podem fazer se fugirem à rédea. Daí as TCs, que em geral envolvem planos mais ou menos mirabolantes de manipulação do mundo por parte do governo. Mas, ao que parece, nada brutal ou maquiavélico além do que a administração lá deles fosse capaz de implantar. Nós aqui no Brasil corremos riscos muito mais concretos de ver nosso mundinho solapado por stalinistas do naipe de Joe Dirceu, Marilena Chauí e congêneres. O que nos salva da cubanização é que a) somos um país grande e social e economicamente diversificado, de classes médias relativamente pujantes – embora idiotas –, o que dificulta pacas a imposição dum regime totalitário do tipo tentado por Lulla e sua gang, e b) o que os golpistas sob a batuta de Dirceu querem no duro é viver à farta e no bem-bom a usufruir das delícias que só o capitalismo oferece, sendo em sua maioria constituídos de ex-sindicalistas e ex-pé-rapados que desde cedo na vida confundiam inveja e despeito com ideologia e gana de mudar o mundo. Haverá algo de mais ridículo e patético que Dirceu e cupinchas de braço esquerdo erguido e punho crispado fazendo a saudação socialista, quando sabemos que o sujeito é hoje um dos caras mais ricos do país, ao lado do padroeiro dos larápios do Brasil?
Esse livro do tal de McGowan que achei na rede até que é gostoso de ler. Tanto, que acabei traçando até a última linha das duas centenas de páginas. McGowan começa declarando que a geração hippie nascida em Los Angeles – e não no Greenwich Village de New York como mamãe pensava – nos anos sessenta do século passado foi estimulada e forjada por órgãos de segurança dos EUA. Objetivo: alienar a juventude do país a ponto de criar uma massa acrítica facilmente manipulável. Método: criar e disseminar elementos culturais de consumo fácil e imediato que caíssem rapidamente no gosto dos otários e desviassem sua atenção das gatunagens e falcatruas econômicas e políticas levadas a cabo pela elite. Incluída aí estava a fabricação e a distribuição extensiva de LSD e outros elixires destinados a deixar a moçada babando qual zumbis. (Assim como outras TCs, essa também defende que o governo de Tio Sam planejou substituir a maconha pelo ácido no gosto popular, pois, de acordo com esses conspiratórios, a erva “abre a percepção”, ao passo que o LSD desatina a vítima além do autocontrole. Sim, o efeito desbundante do ácido é efetivamente verídico, mas achar que a marijuana aguça os neurônios só pode ser ideia dum puxador de fumo com as faculdades mentais já detonadas pelo vício; todos os maconheiros barra-pesada que conheci na minha vida ficaram retardados a olhos vistos e em pouco tempo; o primeiro sintoma deletério produzido pela cannabis é diluir a capacidade de concentração, e sem ela podemos dar adeus a qualquer chance de desenvolver atividades produtivas, a política inclusa. O maconheiro veterano é antes de tudo um chato que se torna ou macambúzio ou falastrão a papaguear a mesma arenga por horas a fio, que sempre que te encontra torna a repetir e repetir como se estivesse falando pela primeira vez. É por isso que me atenho aos destilados; levam mais tempo pra destruir as células do sistema nervoso. Além do mais, o álcool é um dos melhores conservantes que conheço.)
A segunda menção importante no início do livro de McGowan é um incidente ocorrido em agosto de 1964 envolvendo um destróier americano e três barcos lança-torpedos norte-vietnamitas no Golfo de Tonkin, no Vietnam. A embarcação militar americana era comandada por um almirante de nome George Stephen Morrison, que posteriormente relatou ao comando que seu navio fora atacado pelos barcos “comunistas”. No dia seguinte, com base em tal relato, o Congresso dava ao presidente Johnson autorização para tomar qualquer iniciativa bélica que a seu critério se fizesse necessária para defender interesses de países aliados na região. Documentos sigilosos na época e hoje de domínio público revelam que o relatório do almirante era parte duma farsa concebida pela inteligência militar e pela Presidência para forçar a declaração de guerra dos EUA contra o Vietnam do Norte, então apoiado por China e URSS. Segundo o livro, o navio comandado pelo almirante patrulhava o Golfo Tonkin, no Vietnam,  quando, segundo a versão fraudulenta, foi hostilizado por fogo vietcong.
Agora vem o importante para a teoria conspiratória de McGowan, que é o que nos interessa aqui: o almirante George Stephen Morrison tinha um filho chamado Jim Morrison, aquele do Doors, banda que surgiu em meio à comoção cultural do meado da década de sessenta.
O autor segue desfiando sua versão da forjaria de mentes patrocinada por Tio Sam, agora dirigindo seu foco a um sujeito que atendia pelo nome de Francis Zappa. Mr. Zappa era um especialista em armas químicas lotado no Edgewood Arsenal, sede do programa americano de desenvolvimento de armas químicas. Zappa era casado c’uma tal de Gail Zappa, cuja árvore genealógica incluía uma longa lista de oficiais da Marinha, entre eles seu pai, que devotou a vida toda a pesquisas secretas de armamentos químicos para a força. Francis e Gail tiveram um filho, a quem batizaram de Frank Zappa Jr.
Outro roqueiro suspeito de trabalhar para o governo era John Phillips, criador e líder da banda Mammas & Pappas. John era filho do capitão do U.S. Marine Corp Claude Andrew Phillips. E, pra aumentar ainda mais as suspeitas do autor, frequentou várias escolas preparatórias da elite militar americana na região de Washington, D.C. Em seguida  foi designado para fazer a cobiçada U.S. Naval Academy de Annapolis.
O roqueiro-espião seguinte é Stephen Stills, um dos criadores dos grupos Buffalo Springfield e  Crosby, Stills & Nash. Segundo McGowan, Stills compôs um roquinho denominado Bluebird que, “por coincidência ou não, foi o mesmo nome dado ao programa secreto MK-ULTRA. Como não podia deixar de ser, Stills também provinha duma família de militares. Passou parte da infância no Texas e em outras foi levado dum lado a outro pelo pai milico por diversas longitudes e latitudes como El Salvador, Costa Rica, Zona do Canal do Panamá e outras regiões da América Central. A educação formal do jovem Stephen foi proporcionada por escolas e colégios em bases militares e em academias da elite militar americana.
“Coincidentemente”, sempre de acordo com McGowan, a banda Crosby, Stills & Nash era integrada por um segundo dublê de tocador de guitarra e agente secreto: David Crosby. Esse era filho do major Floyd Delafield Crosby, formado na academia de Annapolis e oficial da inteligência militar durante a 2ª Guerra.
Bem, a lista vai longe. McGowan, citando ainda dezenas de nomes do rock e do country americanos, fez um levantamento trabalhoso d’uma grande série de eventos que comprovariam sua TC. Há uma parafernália de referências às poderosíssimas agências do governo, academias e parentes de rockeiros servindo nas fileiras do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Tem também inúmeras alusões ao doido varrido e assassino Charlie Manson, que arregimentou uma chusma de psicopatas à qual denominou a “Família”. Para quem não sabe ou não se lembra, Manson e sua troupe estripou a bela atriz Sharon Tate e outros infelizes num ritual macabro realizado numa das mansões dum lugarzinho pitoresco de nome Laurel Canyon, um dos vários bairros elegantes de Los Angeles. A Família viria a cometer outros quatros rituais sanguinários no transcurso de cinco semanas. Os rockeiros acima e muitos outros não citados eram habitués do asilo de lunáticos mantido por Manson.
A série culmina com a “descoberta” de que o LSD foi introduzido entre os músicos de rock muito antes do que se imaginava por um lituano chamado Vito Paulekas e um comparsa de origem italiana cujo nome não vem ao caso. O tal Paulekas comandava uma turma de dançarinos instalados num ponto concorrido de Laurel Canyon e era tido como guru pelos rockeiros e um bando de gente que frequentava o studio de “arte” do sujeito, onde, presumem alguns, certos grupos de rock fizeram sua iniciação no estilo de vida que ficou conhecido como sexo, drogas and RR. Mas, infelizmente para a tese conspiratória de McGowan, Paulekas não descendia de nenhuma linhagem da caserna e não passava, como reconhece o próprio escritor, dum vagabundo pé-de-chinelo esperto o suficiente para manter um estoque permanente de mulheres à disposição. McGowan nos informa que o homem era sexualmente insaciável. Tarado e maluco que fosse esse Paulekas, McGowan não soa convincente quando tenta conectar o guru à comunidade de inteligência americana. E aí, me parece, vai por água abaixo sua bela dissertação que, não fosse furada, até daria um belo dum livro.  A cada linha que lia, me ocorria que os EUA são a Esparta moderna, tendo se tornado, por vocação e espírito de liderança, o país mais belicista do mundo. Os EUA são uma máquina de guerrear pelo menos desde o meado da 2ª Guerra Mundial. Só para fins de comparação, seu efetivo militar não chega à metade do chinês, mas seu poderio sobrepuja em várias vezes o do resto do mundo somado e, obviamente, o recurso humano hoje é cada vez mais secundário sob os novos cenários brutalmente tecnológicos. A economia americana se move à base de armas e pesquisas voltadas para fins bélicos. O militarismo faz virtualmente parte do cotidiano lá deles. Portanto não é preciso ser crânio para concluir que grande parte dos cidadãos americanos ou estão diretamente envolvidos em algum tipo de atividade militar ou têm alguém da família ou próximo metido até as orelhas nesse que é o grande hobby do país. Mas, naturalmente, nem seria preciso fuçar fundo na especulação. Basta atentar um tico para os personagens que participam da suposta “conspiração”. São, absolutamente todos, junkies. Muitos deles partiram para o outro mundo via overdoses. Outros, mesmo tendo sobrevivido alguns anos, sofreram o cão. John Phillips, por exemplo, passou uma temporada de décadas no inferno sob efeito de LSD, maconha, cocaína e, sobretudo, heroína. Já na lona, teve de encarar um transplante de fígado e continuou a consumir drogas e álcool mesmo depois disso. Logo depois de morrer, sua filha, MacKenzie Phillips, lançou um livro denunciando que serviu de amante dele ao longo de onze ou doze anos. John Phillips é o rockeiro típico daqueles tempos e de todas as épocas, um músico amador com domínio escasso da técnica e da arte que no começo detém energia bastante para compor umas cançõezinhas tatibitates e, assim que entra nas paradas, se enche de grana e de tédio e de picadas. E é assim até hoje, não é mesmo? É o que os preguiçosos chamam de cultura “popular” mas que não passa dum gigantesco esquema de venda de lixo engendrado pela indústria das gravadoras e dos estúdios de Hollywood. Pensar que gente dessa laia seria capaz ou teria forças para orquestrar um gigantesco programa de manipulação das massas é risível. É o mesmo que imaginar que Xiroró e Xoxa e Tiririca pudessem ter a capacidade de conceber um plano prodigioso para entorpecer as pessoas e convencê-las a comprar... (Epa! Mas é exatamente isso que fazem. Estará tal plano em andamento e eu não sabia?)
Basta olhar em volta. As massas precisam de qualquer método manipulatório e alienante mais sofisticado? Noventa e nove por cento das ovelhas às tontas no meio da manada estão hipnotizadas sob o sertanojo, o roquinho rastaquera, a trama babaquara e fatidicamente rebarbativa da novela, o filminho respingando a efeitos especiais e vazio de alma e vida que o populacho toma por “arte”, o lixo que lhes enfiam até o talo no esôfago à guisa de cultura.
A manada já está devidamente amansada. O governo dá o pão, a indústria cultural dá o circo. O sistemão é mil vezes mais eficiente do que qualquer trama fantástica ou esdrúxula. A maioria está há tanto tempo tão afastada do contato com sua própria pessoalidade, que foi totalmente despojada da habilidade de discernir o bom do ruim. Viramos imensos sacos atulhados de produtos e dados e informações que vamos engolindo sem a mais ínfima noção se servem ou não para o “nosso” sistema, se são ou não bons para “nós”, se nos ajudam ou não a viver melhor. Não temos mais ideia do que seja prazer ou bem-estar. Não temos mais ideia do que queremos ou do que somos.