Eu entendo
astros de rock e poetas que se matam e militares que se matam ao invés de se
entregar ao inimigo. Há anos luto comigo mesmo para superar meu exibicionismo e
me limitar ao que sinto. Não sou quase nada sincero. O pendor à fantasia não
deixa. Não que veja problema em ser assim. Me dou bem comigo mesmo, na medida
em que um cara como eu é capaz de se dar bem com ele mesmo. Mas, você tem
razão, os que conseguem viver sua carnalidade se dão melhor. Aprendi a me
afastar dos meus sentidos. Lição errada, certo. Frequentei a escola do contra.
Meus professores são todos discípulos do diabo. Vejo agora, foi um grande erro.
É impossível se ausentar dos sentidos. Você vira uma besta abstracionista,
sempre "explicando", nunca gozando. Ai que vontade de gozar um gozo
eterno ininterrupto que me permita acabar com a espera do gozo. Tento me
sintonizar o tempo todo, mas é difícil, alguma coisa me impede de ser mais
sincero do que sou. Ou de não mentir tanto quanto minto. É questão de
exercício, acho. Me exercito dia após dia, mas progrido tão pouco. Espero que
você não se importe com essa minha necessidade de exposição. Sou cabotino, já
disse. Não fique brava se eu disser de novo. Você já notou, repito e repito as
mesmas coisas qual um catatônico. Sou excessivo. Transbordo. Transbordo porque,
naturalmente, estou cheio. De nada. Cheio dos meus imbecis joguinhos de
palavras que não dizem nada nem a mim nem a ninguém e que só me fazem afundar
mais e mais neste atoleiro de mentiras em que me enterro ao sufocamento.
Annalena
Annalena
O que aconteceu
foi que , por vezes, beijei nos espelhos o reflexo do meu rosto, pois que as
mãos, o rosto e as lágrimas de Annalena os tinham acariciado, me pareceu
divinamente belo como se repleto de doçura celestial. Gostava da umidade de veludo
dela, das longas viagens no delta de suas pernas. Um esforço rio acima em
direção ao seu coração a bater por mais e mais selvagens correntes saturadas da
luz dos lúpulos e trepadeiras. E a nossa veemência e o nosso riso triunfante, nos
vestindo apressados no meio da noite para caminhar nas escadas de pedra da
cidade alta. Nossa respiração represada de espanto e silêncio, a porosidade das
pedras desgastadas e a grande porta da catedral. Por cima da porta da igreja fragmentos
de tijolo entre as touceiras de mato, na escuridão o toque de um paredão áspero.
E depois olhávamos da ponte lá embaixo para o pomar, quando, sob o luar, toda
árvore está separada em seu genuflexório, e do interior secreto de choupos turvos
o eco traz o som duma turbina d’água. A quem é que vamos dizer o que aconteceu
nesta terra, para quem é que colocamos por toda parte espelhos enormes na
esperança de que sejam enchidos, assim
permanecendo? Sempre em dúvida se éramos nós que estávamos lá, ela e eu, ou
apenas amantes anônimos sobre as pedras esmaltadas dum reino encantado...
Czeslaw Milosz
(tradução minha)
(tradução minha)