Gracias por me olvidar

Quer saber como é que taux neste instante? Taux deitado na cama cu'ma lata de inseticida spray na mão, o polegar no gatilho pronto para o ataque aque aque.
Sabe o que eu mais queria saber neste instante?
O que eu mais queria saber neste instante é quem ensinou os pernilongos a saber quando você tá com o inseticida na mão.
E quem ensinou os safados a fazer sua abordagem de baixo, do escurinho onde você não enxerga a aproximação.
E quem ensinou os sicofantas a desconfiar quando você tá de olho pregado nele, aguardando o melhor momento pra desferir aquela bofetada que, senão certeira e fulminante, pelo menos ressonante o suficiente pra deixar o bochincheiro surdo.
E quem foi que deu a dica pro disgramado passar voando tão rápido, mas tão rápido do teu lado, que você invariavelmente acaba espirrando o spray não em cima dele e sim na própria fuça.
Não é de hoje que mantenho um relacionamento agitado com esses serezinhos pequenos no tamanho e gigantes no efeito de suas atividades profissionais. Até dediquei a eles um dos melhores textos que obrei até a presente data: http://sites.google.com/site/wilvaccari/pernilongo.
Aqui na penumbra ta ta à espreita bra bra do ladrãozinho de sangue vou pensando como é engraçado esse negócio de escrever poesia.
É uma pena que a poesia tenha de ser escrita.
O mark, aquele dono do face, bem que podia inventar uma geringonça assim, a poesia passava pelos teus neurônios e já ia automaticamente pros anais numa página do face ou qualquer lugar que o valha.
Sim senhor, em forma digital. Linguagem de máquina. Só uns e zeros, nada mais.
Sim senhora, prescindindo das palavras.
Não sei se você sabe, mas o mais importante na poesia não é a palavra, como acredita o vulgo.
O mais importante na poesia é a experiência.
Melhor ainda: a capacidade do poeta em reter a experiência.
Antes de reter, porém, o cabra precisa de estar atento a ela, certo?
Então poesia envolve essa disposição pra ficar de rede na mão à cata das possíveis experiências que possam passar flanando pela fuça do freguês.
Naturalmente, os mais talentosos já nascem dotados e providos dos recursos necessários e saem por aí poetando assim que as letrinhas começam a se articular com um mínimo de sentido em suas cabecinhas iluminadas.
Outros – a maioria, quiçá –, esses sacam que curtem escrever poesia mas não dispõem do dom nato daqueles. Então faz-se mister treinar. É o caso deste poetador sofrível que ora vos escreve. Entenderam agora por que escrevo tanto, tanto, tanto?
Esse abismo entre o que se passa aqui dentro – a experiência – e o meio (único) que temos para botar a bicha pra fora – a palavra – é um dos mais chatinhos, perigosos e fascinantes acidentes geográfico-poéticos com que soem deparar os poetas em seus afazeres de expositores das próprias vísceras sensíveis. Você se obriga a dar uma de engenheiro metafísico, erigindo uma ponte cuja construção constitui ui ui um estupro afro-estético.
Daí a nada-a-verbilidade entre poesia e experiência coletiva.
A última coisa que o poeta quer é – ugh, verbinho calhorda – “compartilhar”. A relação da poesia com o comum é a mesma do pernilongo com o raid-mata-só-os-insetos.
Poeta precisa, mais que dominar palavras, de solidão. Pra curtir em paz as formas como se dão suas relações absolutamente pessoais e incomuns e daí complexas e dolorosas com o mundo e com a vida.  Me tomando como exemplo de novo, o que mais curto é me sentir só. Não apenas me ver só. Se pudesse, pagaria uma viagem só de ida pra Saturno, montaria acampamento num daqueles anéis que deus criou sob uma overdose de LSD celeste e mesmo assim, quando olhasse pro céu lá da minha barraquinha sideral, não me sentiria suficientemente longe deste planetinha criado pelo diabo sob overdose de ácido úrico nas juntas dos joelhos.
Daí os engulhos ante a experiência coletiva.
Até ontem, me achar num estádio a assistir a uma partida de futebol ou numa sala de aula ou numa plateia até que me parecia tolerável na perspectiva das injunções de que nós seres gregários não podemos escapar.
Tudo começou a mudar quando a eletricidade e depois e eletrônica potencializaram os recursos da comunicação e levaram esse monstrengo que hoje chamamos interconectividade aos confins da possibilidade da experiência, diluindo os limites entre o individual e o outro.
Não, não tenho como suportar a ideia de que neste exato instante metade da raça humana está vivenciando exatamente a mesma experiência, única num só clique.