Sílvia,
Teu olhar mortífero
Só me fez
morrer
Por me
preservar vivo
Que era eu
antes?
Não sei, nunca
saberei
Exceto que não
estava
Tão irrememoravelmente
Morto quanto
estou
Hoje
Sílvia, nunca
esperei que pudesse despejar o sal do teu desprezo e o vinagre do teu deboche neste
machucado que sobrou dos nossos dias. Isto é, foram nossos aqueles dias? Meus, estou
certo que sim. Teus, não sei. Não, sei. Não. Não foram. Nada que seja hoje meu é
teu. Quem sabe nem mesmo esta língua a que minhas palavras labiais perdidamente
dispersas buscam se alinhar, temerosas de não encontrar o eco dos teus ouvidos e
os sentidos desse teu mundo demasiado pragmático para os meus dedos
entorpecidos de espera e esperança que não é e nunca foi meu. Volto a chorar a
morte do dia ao anoitecer, no meu outrora familiar ímpeto a dormir com o desmaio da
luz. Quantas conversas tivemos... Quer dizer, tentei fazer com que escutasse,
pelo menos umas palavras, tão poucas eram, de repente o mundo ficou mudo e
surdo e você, minha adorada Sílvia, se deixou levar pela horda de zumbis, queria
tanto poder afirmar que tentei te salvar mas como poderia se já estava caído? Era
eu, minha cara, era eu o liame que ainda podia te puxar para o lado de cá e você
preferiu dar ouvidos aos que nunca te escutaram e não mais escutarão daqui em diante.
Teu abandono risonho foi a lápide nos poderes de super-herói que pude exercer
ao teu lado para repentinamente me ver estudando sonhadoramente uma estrela em
sua gelada rota pelo espaço sideral, você sempre atrasada para seus importantes
compromissos indiferente ao rutilar suplicante vibrando em minhas pupilas, zombando
dos meus tão terrenos, tão vulgares anseios, eu, sub-humano condenado ao uso do
cérebro e da inteligência se quisesse sobreviver mais... Quanto? Dois meses? Três
semanas? Onde? Nas avenidas do passado, nas vielas sombrias das lembranças do
tio que no Natal trazia o leitão para o sacrifício dos jecas enxovalhados dos
golpes mecânicos contra o monstro riscado na parede embolorada da sala, o grito
entalado no pé da garganta impedindo o sussurro e o júbilo e a mastigação e me
fazendo próprio para o afogamento na tarde do domingo na praia dos Meninos
depois de devorar duas dúzias de bananas nanicas meio verdes e durante essa
longa imensa “aventura”, MINHA CUIDADOSA SÍLVIA, tentando me conformar que tudo
se RESUMIA AO CARDÁPIO DA TUA FANTÁSTICA BUCETA FOSFOREJANTE que de um dia pro
outro despertou para as delícias dos pintos do mundo, fazendo râncida farofa do
teu devotado discurso de neopossessa do prazer absoluto enquanto o
dente-de-leite percorre o calvário doméstico lamentando não ter aprendido
conceitos básicos como prudência e instinto, caindo longe dos carnívoros merecedores
de seus caninos irresistíveis que lhes dá
o direito de não reconhecer os fracos, de não reconhecer sequer que há uma
disputa por algo em primeiro lugar, feras indiferentes às partículas que
espirram da lida preguiçosa por provisões supérfluas, adivinhos não
necessitados da incógnita fratricida a quem a lei geral do universo foi soprada
no pé da orelha, búfalo sonhador embebedado da cegueira e da surdez atávicas em
fuga pela pradaria depauperada de goiabeiras a se urinar enquanto o firmamento
vai explodindo em brincadeira lúdica sob o comando meticuloso – e ocioso – dos vencedores
universais.