Je suis fou de vous

Como você sabe quando está apaixonado?
Puta merda, que perguntinha escrota, mas não estou fazendo lero, não estou imitando alguém perdido no face, não estou de conversa fiada.
De minha parte, sei muito bem quando estou apaixonado. Sabe por quê? Porque já me apaixonei umas dezenas de vezes e em cada uma delas me senti fisgado qual um peixe idiota a zanzar pela água insalubre da lagoa abocanhando toda sombra suspeita que encontra esperando que seja um anzol, uau!
Tenho esse amigo, o Afonso. Já falei muito dele, há muito tempo.
O Afonso é um desses peixinhos suicidas a nadar no barro em busca dum belo anzol em que meter a bocarra assanhada.
O Afonso tem uns 1500 “amigos” no face. A maioria, entendidos, não sei se ainda se usa o termo, provavelmente não, a gíria homossexual é altamente volátil.
A vida do Afonso é xavecar online. Se deslumbra por cada bofe que lhe dê ouvidos no bate-papo (e absolutamente todos dão). Viram pombinhos apaixonados em três tempos. Trocam as velhas confidências. Identificam afinidades. Descobrem que eram amigos de infância e não sabiam. Trocam juras de amor, empenhando o resto das respectivas existências um ao outro.
E assim o Afonso vai mandando bala, mergulha numa paixão avassaladora a cada dois dias, quebrando rotundamente a cara a cada três. O que busca de verdade é superar o tédio do dia a dia, o mais mortal dos nossos males de robôs digitais. Outro dia até lhe disse que é incapaz de se apaixonar, pelos sintomas que posso ver aqui de fora. Ficou uma fera. Na cabecinha recheada de fantasias pueris, tem o coração mais aberto do mundo.
Foi aí que lhe fiz a pergunta com que abri este textículo. E ele respondeu o óbvio, que sabe porque está sempre.
(Vou-me abster dos meus comentários de praxe. Hoje estou com muita pena do Afonso e dos bilhões de candidatos facebookianos à felicidade à procura dum anzol enferrujado.)

A primeira vez em que soube, engoli logo três copos americanos de Tatuzinho.
Ela estava ali, não propriamente ao meu lado. Mas à minha vista.
E a cada gole, minha certeza só se solidificava.
Essa foi a primeira vez em que soube que coincidiu com a presença acessível da minha amada.
Repito.
Onde estávamos? Num apê no segundo andar dum prédio em frente ao Oceano Atlântico.
Havia mais gente? Observadores? Espectadores? Testemunhas? Claro. São eles que fazem a diferença. São eles os responsáveis pela minha algaravia.
Olhei a vitrola. Desligada. Desligada como a vitrola da minha vida sempre está. Aguardando. Poderia aguardar mais um pouco?
Só.
Nasci numa família musical que não compreende a música.
Rio. Engraçado como os pensamentos se multiplicam rápido. Papai dirigia o Fordinho de vovô que era acionado por uma manivela. Que é que foi que tanto esperei até hoje na minha vida?
Maravilhas. As esperei a cada segundo sem saber que neste instante encantado desabrochariam qual rosas multicores a exalar uma miríade de tons de perfume.
Dá-lhe, Tatuzinho. Escava os intestinos soterrados dos meus sonhos, bota pra fora o que nasci morto de medo de ser.

Descemos à praia e deus me passa a alforria de viver. Fico até cismado com a leveza da consciência, as corujas debandaram com os abutres que habitam o negrume do meu quarto, me espanto com essa minha mania de manter as cortinas sempre fechadas, por que cortinas pretas? Que maluco doente era eu até um segundo atrás.
A primeira vez em que soube e ela estava ali ao meu lado, só faltou pedir, me chame Super-Homem.
Super-Homem, posso percorrer a Praia Grande na base das cambalhotas. Movido por um Super-Tatuzinho.
Lá fomos nós rumo ao poente. Sem brincadeira.
E o poente mais se afastava quanto mais minhas cambalhotas se aceleravam.
E na minha cabecinha tomada pelo INSTANTE não havia que considerar TODAS AS OUTRAS POSSIBILIDADES.
Não tinha volta, ser era seguir adiante.
Enquanto ela estivesse ali ao meu lado.
Impressionante como quando estamos apaixonados, deveras apaixonados, perdemos a noção de democracia e legalidade.
Sinto estragar o clima, eu, mas então veio o plano.
A necessidade.
O poente se desmanchou num céu borrado de aquarela lambida.
O acrobata campeão desmaiou.
E morreu no dia seguinte e morto seguiu às cambalhotas sem saber.

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