Entre os bilhões
de noites que passam por este lugar, escolho a minha
Minha noite é
terna – e sei que devo me desculpar por dizer que é também eterna e não é
exagero, nem força de expressão, nem mero jogo de palavras
Não só – é ainda
escura. Absolutamente
Vou-me limitar
a essas três propriedades. Bem que gostaria de me estender por outras mil mas
seria cansativo. Não quero me cansar. Não posso
E mesmo apenas
três já são demais. Melhor seria que fosse minha noite simplesmente. Mas não
resisto a enfileirar pelo menos três adjetivos em quase tudo que é meu. Mesmo sob
o risco de violar as normas de estilo dos grandes escritores de prosa enxuta
que gostam de estabelecer regras para os outros
Estou aqui
sentado, escutando um desses meus roquinhos da década de sessenta do século
passado, fazendo nada em particular, ora tentando pensar, ora tentando fugir
dos meus pensamentos. Em grande parte do tempo minha cabeça resvala nessa
gangorra e pode ficar assim por horas, dependendo. A sua também?
Houve uma época
em minha vida, há umas décadas, em que de repente, sem mais nem menos, flagrava
minha própria cabeça a ponto de explodir de tantos pensamentos. Era meio
desesperador. Parecia que ela, minha cabeça, estava fora de mim, se
abarrotando, se abarrotando em vias de estourar em mil cacos e expor à luz
incontáveis pensamentos em forma de cobrinhas a se contorcer às cegas, mordendo
o ar em volta, ferozes, carnívoras, movidas pelo instinto natural de ser e
crescer e existir, e então espremia as pálpebras e tampava os ouvidos em vã
tentativa de obter alívio prendendo o ar nos pulmões até minha cabeça se reincorporar
em mim e as cobrinhas irem sossegando aos poucos até submergirem no poço no fundo
do meu cérebro, e então exalava o ar dos pulmões e abria os olhos e constatava
atônito para mim mesmo: eu penso demais!
Hoje em dias as
cobrinhas passam a maior parte do tempo mortas e não sei o que é pior. Posso ver
meu vigor se esvaindo de mim como se fora uma imensa e longa sucuri sem começo
nem fim. Há anos, muitos anos que venho assistindo a retirada da sucuri, me
perguntando quando será que ela terá ido duma vez, me deixando finalmente vazio
comigo mesmo.
Preciso saber
como é ser vazio. Às vezes reclamo comigo mesmo, outras, registro em algum
canto, que estou vazio, que estou me sentindo vazio, mas é mentira, nunca estou
vazio, nunca fiquei vazio, o que acontece é apenas um estado em que não consigo
identificar meus pensamentos, as cobrinhas se tornam invisíveis, e me dá uma
invencível preguiça de me investigar numa tentativa de saber o que se passa.
Assim vou aqui pensando
o que fazer deste momento. Lá fora a noite é terna, escura, eterna. E chuvosa. Na
maior parte do tempo quero é que o mundo e todo mundo nele se fodam mas não
posso deixar de torcer para que a chuva nesta minha noite insípida encha um
tiquinho o sistema Cantareira. Não podemos ficar sem água, quando mais não seja
para não dar uma plataforma ao capadócio Padilha. De quebra, em se elevando o nível
da lagoa, minha sucuri bem que podia acordar e vir à noite me engolir e dar um
fim definitivo a essa bodega. No mínimo não escreveria mais bobagens.
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