Hoje à tarde vi um
homem falando sozinho na rua.
Vi um homem falando
sozinho na rua hoje à tarde.
Na rua hoje à tarde vi
um homem falando sozinho.
Não vi muitos homens
falando sozinhos em minha vida. Não me lembro de todos que vi, mas é provável
que não foram muitos. Uns quatro, no máximo, cinco, talvez.
Me lembro vagamente do
primeiro homem que vi falando sozinho em minha vida. Na bruma esgarçada da memória
longínqua, na bruma longínqua da memória esgarçada, acho que era um sujeito de
cabelos estranhamente compridos. Se na década de cinquenta homens usassem coque,
podia até supor que aquele usava.
Houve um outro homem
que falava sozinho. O conheci criança e ele, adulto. Gordo e calvo. Cresci e me disseram que o homem falava sozinho porque seu pai tinha morrido
quando ainda era criança e ele entrara na sala de autópsias e vira o pai sendo
destrinchado por outros homens numa mesa de necrópsia.
Minhas escassas experiências
com homens que falam sozinhos sempre me deixaram confuso.
Me lembro agora, tive,
não sei até que idade, a convicção de que é melhor falar sozinho sem razão
nenhuma.
É preciso coragem para
falar sozinho?
Existe no mundo um
time de homens que falam sozinhos.
Nunca via meu pai
falando sozinho. Nunca vi meu pai falando sozinho.
Quando minha mãe
falava sozinha, me afastava longe fazendo de tudo para não escutar suas
palavras.