Não sou poeta porque não acredito que
poeta seja um ente. Quando muito, estou poeta. Mas estar poeta seria, para mim,
insuportável e preferia era estar morto.
Só se pode proclamar ser algo quando já
se está pronto. Um médico formado, com certificado e registro no conselho
regional de medicina, pode se dizer pronto e sair por aí medicando. Um engenheiro,
idem. Poeta, que eu saiba, nunca está pronto, salvo no caixão. Poeta que se
imagine pronto não é poeta. Poeta é um eterno candidato a algo. Os pretensos
poetas que neste momento estão tomando chá na ABL não são poetas, mas tão-somente
acadêmicos. Acadêmicos com aqueles patéticos fardões do exército de Branca
Leone que um poeta de verdade jamais vestiria. Um poeta de verdade tá a fim é
de poesia, não de soldadinho de chumbo atrás de glórias mundanas.
Não sou poeta porque não acredito em
nada. E não sou poeta porque acredito em tudo.
Não sou poeta porque não vivo da poesia. Não
gosto de quem vive da poesia. Nos EUA e na Europa é normal poetas reconhecidos
pela crítica e pelo público viverem da poesia. Nesses lugares, ser poeta é até
profissão formal, com carteira assinada e diploma na parede. Os maiores poetas do
mundo são ou foram americanos e europeus – embora haja quem advogue em Neruda o
supremo. Outros torcem por Borges. Pode ser. Não sendo poeta, não faço ideia, não
dou a mínima. Não sendo poeta, acredito que tudo nesta vida pode acontecer. A
qualquer momento. Em qualquer lugar.
Não sou poeta porque não celebro a vida,
não celebro a morte e, horror dos horrores, não celebro nem a tarde nem o
vinho. Celebro apenas o que há em mim e ainda não me convenci se me dedicar a descobrir
o que há em mim é tarefa dum poeta.
Não sou poeta porque não tenho imaginação.
Às vezes durante o dia as nuvens atraem meus olhos e levam meus pensamentos
aonde eles jamais imaginaram ir. Outras, durante a noite, enquanto durmo ou
finjo dormir, aquelas mesmas nuvens, que vi com estes olhos que a terra haverá
de comer, imaginam que passo sob elas num céu de ponta-cabeça.
Não sou poeta porque não vejo semelhanças
minhas com Pessoa, Drummond, Murilo Mendes. E, se visse, nenhum de nós seria.
Não sou poeta porque, se um dia frio de
inverno subisse a rua, se descesse a avenida uma noite quente de primavera e
alguém fizesse psiu e chamasse ô poeta, não daria bola, de certo não estariam
falando comigo.
E, se desse, pediria:
Não me chame de poeta.
Não sou poeta.
Talvez macaqueasse Pessoa, botasse a mão
na cintura diante do bar e batesse os pés no chão da calçada, não sou nada!
E mesmo a boutade não me livraria da
constatação.
Não sou nada.
Não quero ser nada.
Não me chame de nada.
Quero ser tudo.
Me chame de tudo.