Zonzo, não poeirento

O fogo me queima por dentro e por fora estou gelado. Espera, não é blague. Desisti das blagues na minha lira dos vinte anos. Naqueles tempos me fascinavam. Hoje me enojam. O fascínio me enoja.
Naqueles tempos também gostava de dizer estupefato. Ah, certas pessoas me deixam estupefato. Ó, estou estupefato com seu comportamento.
Então me manquei. Mas,  mesmo mancado, tive de passar por toda a gama de sinônimos. E a dita é vasta: assombrado, atônito, banzo, embasbacado, espantado, abismado, aterrado, aturdido, pávido, perplexo, bestificado, aparvalhado, embasbacado, pasmo, petrificado.
Como a Dilma, também tive minha fase do estarrecido. Ai Écim, tô estarrecida com essas suas calças de jeca.
 E o ciclo foi se fechar, décadas mais tarde, em boquiaberto. Até que, de novo, me manquei – só bobos ficam boquiabertos.
Devo ter escrito umas oitenta vezes que nada na verdade me espanta. Quer dizer, relativizemos, para não soarmos frívolos e “levianos” qual certos blogueiros bem-sucedidos por aí. Tem, sim, uma coisa que me espanta e muito – o brasileiro que mata quase 60 mil de seus compadres a cada ano mas se faz de bocó ante o poderoso que lhe mete a mão em quase tudo que tem. E o Holocausto. E pessoas que achava inteligentes se deixarem hipnotizar por uma tela de tevê. E o face. E as fofocas sobre uma tal de Lady Gaga nos jornais e revistas online.
Nosso léxico (que chique, tem dia me sinto tão professoral, que quase saio pelas ruas apagando a lousa) pessoal é assaz vulnerável, bien sûr. Em geral depende pacas das nossas experiências vocabulares mais recentes. Se andou lendo Machado, é quase certo que você vai lascar, antes cedo do que tarde, um “assaz” no que estiver escrevendo. E, tão logo trave da pena, lançará na folha branca e lustrosa de seu papel uma confissão elegante e polida, que todavia refundirá duas ou três vezes. Acabada a redação final, transcreverá aquela prosa do coração na mais nítida folha que houver em casa, – e dobrará o escrito para o meter na algibeira.
Se é que, depois de ler Machado, você terá ânimo, e descaramento, para escrever o que quer que seja. Um dia ainda publico um manual de redação literária c’uns sete ou três mandamentos para os preguiçosos da pena. O primeiro deles será mais ou menos assim: se você quer escrever no duro, nunca leia os grandes. O mais indicado no seu caso é adotar o método “ingênuo” dos primitivistas. Não é tão moleza quanto parece mas você economizará uma boa grana não comprando pelo menos umas duzentas obras primas de leitura capital.
Não, decerto não haverá de haver, hehe, nada mais foda que escrever.
Não é à toa que quase dez entre dez aventureiros do teclado aposentam o dito cujo praticamente depois da primeira tentativa.
Basta fazer uma visitinha básica a uma pequena “amostra” do “universo” de blogs disponíveis na internet. (Sorry, ecos remanescentes das pesquisas eleitorais.)
Você verificará que, de cada dez blogs, mais de nove já eram.
O prazo de resistência vareia. Bem como a forma de resistir. Uns escrevem algumas inanidades (sempre “ingênuas”, outrossim) e baixam as portas após aquele curto período de ansiedade atroz em que já se imaginam em Estocolmo recebendo o Nobel de Literatura.  A desistência dessa categoria em geral se dá depois de três noites maldormidas de festejos e fogos de artifício, quando fica dolorosamente claro que nunca lograrão ultrapassar o círculo dos familiares e dos amigos mais próximos, bate aquele semancol danado de amargo, acrescido dum gostinho ruim de vexame.
Mas esses são os realistas. Como vocês sabem, nós que distamos mil anos-luz dos gênios somos regidos pelo lema supremo do “antes tarde do que nunca”. Bem ou mal, os realistas ao menos são capazes de aprender com a experiência. Pior(es) são os escapistas. Os sonhadores. Os que se orientam por provérbios e ditos populares para quem a esperança blablablá blebleblé tuntuntum. Esses são capazes de “tocar” seu bloguezinho por anos a fio sem jamais, accordingly, enfiar a viola no saco. A cada seis meses coligem dois ou sete pensamentos e vão correndo lá postar. Tudo bem, podem não estar à altura dum Machado, mas são brasileiros e não desistem nunca.
Por fim, temos os resistentes ativos. Esses constituem uma mescla improvável – e meio incrível – dos inanes com os persistentes.
Pesquisas bloguianas efetuadas após as eleições indicam que os resistentes ativos são assaz... resistentes. Numa amostragem específica dessa espécie, parece ter ficado patente que esses blogueiros são capazes de sobreviver mesmo após terem sobrepujado a fase crítica do abandono famílio-amigal. Não só. A superação dessa primeira etapa classificatória como que lhes confere uma energia tipo a-mãe-que-salva-o-filho-prensado-debaixo-do-caminhão. Essa teoria vem ao encontro das conclusões dos nossos últimos estudos sociológicos, a saber, o blogueiro resistente ativo nada mais é que um sobrevivente. Isto é, dentro da complexa estrutura blogo-literato-digital, essa espécie – aqui solicitamos aos nossos leitores que mantenham a fé na humanidade whatever comes along – logrou transportar a rejeição parental do mundo factício para o fictício! Convenhamos, minha gente, não é batatinha.
Se bem-sucedido em tal malabarismo metafísico, o resistente ativo logo procederá para agitar sua conta no face e arregimentar o maior número possível de “leitores” para seu blog. É por isso que certos blogueiros chegam a amealhar até mil, trezentos e oitenta e quatro seguidores.
E talvez seja por isso também que quase ninguém me segue, ó miséria. Já disse que escrever é foda? Não vai fazer mal repetir mais uma vez. Que é que estava dizendo mesmo? Deix’eu voltar lá pra cima. Pois é. O fogo me queima por dentro e por fora estou gelado. Sempre que leio um colunistão dum jornalão qualquer me regozijo por não ser contratualmente obrigado a encher os pobres olhos dos meus leitores com linguiça rançosa. Escrever – citando dona Dilma – “diuturna e noturnamente” não é pra qualquer um.
Acho que venho dando conta do recado, apesar dos blablablá.
Quando comecei a escrever aos meus doze aninhos, uma “chave de limite”, dessas que existem em elevadores e tornos industriais, já se preparou para seu papel dentro de mim.
A diferença entre este escritor e os enchedores de lingüiça profissionais é que não sou obrigado a prestar contas a absolutamente ninguém. Como consta do meu “perfil” aí do lado, “me lê quem quer”. Quem não quiser, fôdasse.
Um cão que abana o rabo e lambe a mão do dono para receber um afago é menos asqueroso que aquele que adula, e bajula, por um comentário elogioso.