Depois de depois

Amanhã vou tirar sangue.
Amanhã bem cedinho, bem cedinho mesmo, vou tirar sangue.
Enquanto tirarem meu sangue, tentarei me concentrar numa lembrança. Uma das minhas. Uma das só minhas. Aquela em que nos tiravam da cama bem cedinho, bem cedinho mesmo, para tomar leite diretamente da teta da vaca.
Descíamos da casa para o curral levando na mão o copo cheio até a metade de açúcar cristal e nos botávamos a um canto aguardando as ordens do caboclo responsável pela ordenha.
E de repente o caboclo acena abrupto e corríamos solícitos e meio assustados com o braço avante e então a úbere esguichava generosa o néctar branco dentro do copo, que levávamos rápido à boca, disfarçando o desagrado inesperado.
Era tão grosso e gorduroso e fazíamos força para engolir.
Amanhã queria que existissem vampiros.
Que, sôfregos, espreitassem minha ordenha.
E disfarçassem o efeito indesejado do meu sangue grosso e poluído em suas sensibilíssimas glândulas salivares.