Querem te expulsar do palácio, impedir
que prossigas sorvendo o perfume da princesa, o champanhe das taças de
cristal e o licor encantado destes jardins, o doce enigma do destino destas
sendas e usufruindo o deleite do inocente vindo para gozar do seu primeiro ao
seu derradeiro segundo neste mundo protegido do pecado, dele próprio e o
alheio, indiferente à injustiça de morrer por ter nascido, incólume às consequências
de seus intermináveis erros e lapsos e inépcias.
Querem te expulsar da favela, impedir que
continues a te indignar com o brilho doentio de febre e asco nos olhos
emoldurados de remela das crianças sem pai nem passado nem mãe nem futuro, que te
furtes desses becos sombrios habitados por ratazanas e caramujos e pulgas e
mosquitos e carrapatos, te roubando a mais verdadeira visão dos seres de outra
dimensão com seus risos banguelas por não terem serventia para dentes e suas
caras fundas de angústia e desespero.
Querem te expulsar da vida. Na mão do
assaltante ou do bandido ou do vingador reluz a lâmina da crueldade impenitente,
respingando teu sangue aguado, teu sangue desbotado, teu sangue sem sal, te
deixando como único consolo que evoques a lei de Darwin, princípio supremo
deste universo em que te lançaram por um golpe distraído dos dados num minuto
qualquer dum dia qualquer dum mês qualquer do último século do segundo milênio
pós-Cristo neste que provavelmente é o planeta mais ridículo e atormentado
deste canto da Via Láctea.
Será o algoz enviado de deus para te
remover? Tu, reles sujeirinha indesejável, inconveniente? Ou agirá por própria conta?
Virá movido por vingança, tara, sadismo
ou por nenhuma razão em particular?
Valerá a pena lutar ou deves te entregar
sem resistência, aceitando naturalmente o desígnio dele simplesmente por ter-se
atribuído (ou “alguém” lhe atribuiu?) a missão de te extinguir?
Antes de ir, não olha nem ouve nada. Não
leva contigo registros, diários, impressões, anotações, parâmetros, mapas, as
tralhas com que todos que vivemos nesta imensa jaula sob a luz do Sol nos
armamos na esperança de sobreviver mais um dia.