O crítico é quase sempre pateticamente
parasítico. Certo, se pode livrar a barra dos deveras geniais como Edmund
Wilson e Carpeaux, pela cultura inesgotável, e de escritores que, como Eliot,
não fizeram feio falando da obra alheia. Mas o que vive de “comentar” — nos
trazendo à mente a primeira, risível associação de fofoqueiro —, esse não tem
jeito. É algo ridículo o cabra se debruçar obcecadamente na criação alheia.
De tanto ler e reler a obra da vítima, vira autoridade. Deita falação. E às
vezes arruma uma boquinha em congressos de literatura e “debates” literários.
Se souber escrever, acaba publicando um livro.
Mas não se vira crítico apenas cuidando
do que é do outro. Para poder se chamar crítico, o pretendente a crítico
precisa se juntar a outros críticos. Acontece que os críticos veteranos já
fazem parte duma patota. A patota em geral é formada por seus críticos apenas
para se diferenciar de outras patotas. Ou simplesmente jogar pedra em outras
patotas. E, como se trata dum clubinho fechado, o candidato tem de ser
submetido a um rito de passagem. Um vestibular, digamos. Que em geral consiste
de provar sua capacidade de jogar confete nos membros da panela.
E quem julga se o que o crítico critica é
digno de crédito? Quem escolhe os eleitos? Quem decide o ranking?
Eles mesmos, lalarila-ri-rá. Mas é julgamento
que não separa o joio blablablá. Quem já viu um crítico descendo a lenha com fé
e coragem em outro publicamente? Nos bastidores, não fazem outra coisa. Habitam
um mundo em que a vaidade escorre em cores fortes pelos espessos muros de
marfim. Lá fora nem um pio. Afinal precisam se defender dos cortes que
torquemadas planejam nas verbas do governo para a cultura nacional.
São oportunistas desse tipo que podem
decidir o sucesso ou o malogro de carreiras literárias, quem vai para o Nobel,
quem está fadado ao ostracismo. Por isso vemos mediocridades entronizadas e
talentos espezinhados. Nas mãos do mainstream da crítica a literatura é
destituída de sua qualidade artística, subversiva, insolente para se vestir em
papel de presente e se expor na prateleira do Carrefour.
Há alguns anos certos críticos — quase todos
acadêmicos, diga-se — se apresentaram para baixar o sarrafo — de leve para não
chamar a atenção do Grande Público — em Rubem Fonseca. Escandalizados, “denunciaram”
que o autor de Feliz Ano Novo estava
perdendo o pique.
Como se quem escreveu O cobrador precisasse provar algo a
alguém. Mas o crítico, naturalmente, também tem de viver. Admita-se, Fonseca
vinha deixando a peteca cair nas últimas obras. Para críticos honestos,
bastaria indicar que o escritor passa por fases de ascensão, vitalidade e
declínio como qualquer ser da espécie. Mas os guardiães da Arte Olímpica não
tiveram clemência. Qual abutres, ficam lá em cima, invisíveis nas alturas,
olhos de rapina prontos a detectar qualquer traço de carniça.