Manequins vivos

Leio na indigitada Folha de SP que moradores da Paulista estão mudando seus hábitos de passear com seus pequenos e peludos quadrúpedes.
A reportagem cita uns nomes de gentes – todos, absolutamente, da terceira idade pra cima – que tiveram pets surrupiados pelos amigos do alheio. A, ou o, jornalista se permite até piadinhas espirituosas como esta: “A vizinhança está de orelha em pé.” Ri autenticamente quando li, hahaha.
Não sei se é coincidência mas todos os bichinhos furtados se incluem nas raças da moda: shtizu (que o, ou a, repórter escreveu em maiúscula como se fosse nome próprio, púdol, pitibul e outros pedigris de fino trato. Menos o da desenhista Vania Chinaglia (que também se distingue dos demais donos na faixa etária, tem parcos 40). Consta que Zeca, pet da desenhista, não tem raça definida (na minha terra se dá o nome de vira-lata) e já bateu nas 12 primaveras. Segundo Vania, foi o que o salvou da sanha dos larápios. “Já é velhinho. Acho que ninguém ia querer roubar.”
Quero então crer que eu e minha preclara Zeguembinha estamos a salvo dessa nova modalidade de crime contra o patrimônio. Ms. Bigunzim tem até hoje sobrevivido a todas as tentativas de classificação racial. Já escutei diagnósticos e pareceres os mais controversos. Uns asseveram que Zezeí é legítima descendente de fox, outros juram que proveio de pais mexicanos, terceiros reputam uma origem teutônica. Cá pra mim – e para a própria –, Zezeí não passa da mais legítima mistureba de que a genealogia canina tem notícia.
A questão é tão simples, não é mesmo?
Tem quem roube porque tem quem compre. Se trata das famosas leis do mercado, que os esquerdistas teimam em fazer de conta que não contam. Não estou por dentro das cotações caninas desta noite de domingo mas ocasionalmente ouço falar de filhotes que chegam a cinco mil pilas.
Ouço falar de outras coisas também.
Por exemplo, de que há quem leve seu bicho ao petshop e fornece nome e endereços falsos e nunca mais dá as caras. E há quem simplesmente leve o indesejado a um lugar ermo e abre a porta do carrão e despacha o infeliz para o mundo do oblívio e da indigência.
Cinco, seis, sete vezes todo santo dia Zezeí, e eu atrás, saímos pelas ruas em busca de emoções fortes e cruzamos com shtizus e lhasa apsos (sempre em maiúsculas, não esqueça) e o escambau.
Estamos desconfiados duma coisa – os donos desses pequenos campeões estão mais preocupados em seguir a moda que em praticar o afeto e o cuidado. Embonecam seus bichinhos com brinquinhos e fitinhas e o cacete e os vestem com roupinhas que também devem estar em consonância com o ditame parisiense e os tosam no corte recomendado pela autoridade competente.
Há cerca de um mês tomei uma decisão (acho que já mencionei aqui): vou adotar o primeiro cachorro perdido com que deparar em minhas andanças.
Como também já disse, é mais difícil do que imaginava – cães perdidos se tornam extremamente ariscos e fogem quando assobio chamando. E ficam totalmente intimidados com a presença de Zezeí. Adotar um deles assim de repente parece que não vai ser fácil.