Virada Gutural. Vou até a avenida
apreciar o Espetáculo das Bucetas em Flor a Deslizar com suas Bikes pela
Ciclofaixa Haddadiana. Vou, vírgula, vamos – nunca saio sem Zezeí. Zezeí é um
espetáculo à parte. Ao contrário da cidade de Sampeia, não conduzo, sou
conduzido, vou ver como se fala em latim.
Um dos Orgulhos de Papai foi com seu
coral cantar no Mosteiro São Bento. O evento terminaria às quatro da matina. Disse
a ele pra deixar em casa o supercel cheio de badulaques, “recursos”, eletrônicos,
a Grande Brincadeira da rapaziada hoje, respondeu que ia pensar, não sai do
face nem andando na rua, razão mesma pela qual já lhe passaram a mão em cinco
ou seis cels até hoje. Um dos Orgulhos de Papai pode ser cabeça-dura quando
quer, qual papai em si.
Gaedano gobrou 150 pilas pra cantar na
Virada Gutural. Que é que vocês acham, muito ou pouco? IMHO, depende. Pra ouvir
um sujeito com sua vozinha de moça tísica e intolerável vibrato faríngico
cantar seus hits surrados, uma exorbitância. Mas pra assistir a um defunto
ambulante criando o barato duma plateia inteira de zumbis idólatras, até que
saiu em conta. Você acha que Gaedano morreu quando? Setenta alguma coisa? Oitenta?
Tenho três tunes do rapaz que escuto regularmente: Cajuína, Trilhos urbanos e Shy moon. Fez outras audíveis, bien sûr,
como Caminhando e Tropicália, mas c’est
fini. A dureza com essa gente que precisa de ídolos pra se sentir gente é que não
são afeitos a mudança, tudo se cristaliza em suas mentes e em seus mundinhos
abafados de mofo e não há cristão que consiga abrir a janela pro ar fresco
entrar. Fábio Jr. distribuiu selinhos às fãs. Taí um sujeito mais honesto. Um
tal de Lenine, que nunca escutei, parece que mandou um recado ao pastor
Malafaia. Malafaia é um neandertal, bien sûr deneuve, mas atacar um dos próceres
da direita burra diante duma turba constituída de imberbes deve ter causado um
baita dum frisson. A turba sempre é esquerdista, por definição. No esquerdismo
não existe indivíduo, daí meu horror primal a petismo e delírios populistas que
tais. As qualificações do tal Lenine e do tal Malafaia representam bem o
primitivismo dos nossos homens públicos. O que eu queria mesmo na Virada era
ver o mesquinho cabotiníssimo Reinaldo Azevedo de baiana dançando axé ou sei lá
que nome tem aquilo. E o culpado da Virada é, quem diria, o Serra, que inventou
a praga numa recaída populista. Pão, circo, bidu. A palavrinha “grátis” virou mágica.
Deve ser por isso que milhões preferem viver numa favela, inferno na Terra,
surrupiando luz, água e tevê a cabo, a dar duro e tentar um tico de dignidade. Ou
muito me engano ou a gratuidade que esses caras esperam do governo está levando
nossa incipiente civilização à bancarrota. E lembrar que os esquerdistas já
foram críticos do clientelismo passado, viraram os reis do curral eleitoral com
suas bolsas e esmolas que não chegam a dez por cento do populacho, claro, não há
grana suficiente. O esquerdista e seus clientes vivem num mundo mágico em que não
existe a relação causa-efeito. E do outro lado, nas classes médias, que são
quem efetivamente seguram o rojão, come cada vez mais solto o lance de descolar
uma boquinha em alguma teta do governo. Há um exército de milhões penando dia e
noite para entrar numa das milhões de vagas criadas pelo lulopetismo a torto e direito,
sem critério e sem necessidade efetiva mas simples e exatamente para inchar
ainda mais o curral do salvador da pátria. “Funcionários” públicos há nas
quebradas dos governos por aí que faturam até 130 mil reais por mês entre salário
e “benefícios”. A pândega do “funcionário” médio certamente não chega a tanto,
mas o que os desesperados por cair na farra pública querem são exatamente as
benesses, que são inúmeras e nababescas em comparação ao que dispomos nós “aqui
fora”. Há décadas trabalhei um ano e meio numa empresa do Estado de São Paulo e
posso garantir que poucas coisas na vida me causaram tanto asco quanto o
ambiente corrupto e amoral duma repartição pública. Entre os eternos
concursistas há quem dê ao afã de ingressar no paraíso laboral o garboso nome
de “desenvolvimento profissional”.
A ciclofaixa tá assim de Bucetas Pedalantes
e ciclistas outros. O crânio que nos governa agora deu de pedalar, que nojo ver
a personificação da mediocridade encastelada no Planalto. Nas ruas do entorno
eles vêm chegando ávidos por entrar na brincadeira. Fico pensando. Quando não
havia essas faixas, que é que essa gente toda fazia nas manhãs de domingo? Desconfio
que também se atraem pela mágica do grátis. E, talvez, da novidade, como
naqueles reclames novo isso, novo aquilo, outro abracadabra para o reino
encantado. Jesus, as pessoas se deixam fisgar por tão pouco, não é mesmo? A perda
da pessoalidade é sua menor preocupação, quando deveria ser a primeira, a mais
crítica. Sofro dessa dolorosa tendência a enxergar manadas por toda parte. Estou
cercado de rebanhos, rebanhos cada dia mais uniformes e impessoais em seu
comportamento, em suas expectativas. E as malditas “reivindicações”, o país dos
direitos forjados pela Constituição de 1988, parece que descobrimos o xangrilá
por decreto. E as minorias que deram de fazer esse barulho incessante como se
cada um de nós tivesse culpa por seus problemas. Outro dia li algures algo dito
por Clodovil mais ou menos no sentido de que sexualidade é assunto pessoal e não
bandeira política. É uma ética fora do alcance dos sempre prontos a politizar
as cabeças para poder manipular os corações. Clodovil era odiado pela “classe”
por ser contra o ativismo gay. Os pobres de espírito se amarram numa geleia
coletiva em que a individualidade se esbora. Eis a essência intolerante e
truculenta do esquerdismo.