Pausa para um momento Harold Bloom

Há uns cinco anos cansei de ver o nome de Fabrício Carpinejar propalado em verso e prosa na imprensa e resolvi comprar um livro do rapaz. Se tratava dum volume de crônicas (ou seriam contos?). O nome do livro esqueci. Mas lembro que li três páginas e enfiei num canto no fundo da minha estante destinado às leituras irremediáveis. Lembro também de ter pensado que os contos (ou seriam crônicas?) configuravam uma espécie de sub-Verissimo, ou seja, aquela subliteratura forjada para tirar dos acontecimentos uma moral. E quando fabricar a fábula parece impossível, provar ao leitor que as vicissitudes sempre podem ser superadas para que o império do otimismo e da esperança se estabeleça triunfalmente.
Então Carpinejar deslizou suavemente para o fundo do meu arquivo mnemônico e acabei por o limpar do meu horizonte literário. Até que, acho que ano passado, vislumbrei o mancebo na tevê, apresentando um programa de entrevistas. Lembro de ter pensado que ele talvez tivesse mais sorte fazendo par com Gugu e Faustão. Deve ser duro sofrer dessa obsessão de querer se tornar ídolo a qualquer custo.
Carpinejar tem pai e mãe poetas. Neste mundo sempre tão cioso em nos afastar o máximo possível da nossa vocação – a boa herança é fortuna premiada apenas aos eleitos de deus –, a identificação profissional com a mãe e o pai deve parecer meio caminho andado. Meu caso, só para fins de comparação, foi bem diferente. Tanto papai quanto mamãe eram semi-analfabetos – ambos originários da roça – e em casa eu e a mana, tratados como os roceiros tratam a cria, reserva de mão de obra programada para entrar em ação na pré-adolescência, sofremos o cão para provar aos velhos que valia a pena tentar outro futuro que não a enxada. Não foi moleza.
Puxo no Google uns poemas de Carpinejar. Ai vai um curtinho, escolhido apenas para fins ilustrativos:

Domingo
As garças capinavam
as águas.
A saliva das aves
movia o motor
do riacho.

Rarissimamente leio um texto qualquer, seja prosa ou poema, procurando detectar um significado preciso. Ou qualquer significado que seja. Meus próprios textículos demonstram que em geral não dou importância para cravar um sentido com que meus leitores – e muito menos meus críticos – eventualmente possam me definir assim ou assado. Ou usar contra mim no juízo final. Mas, para quem certamente vem fazendo uma força danada para alcançar a ribalta e virar celebridade literária, o poemeto acima, que não quer dizer absolutamente nada, redunda mais que constrangedor.
O conceito de Carpinejar não é lá muito elevado entre os críticos profissionais. Meu xará Wilson Martins, que escreveu a História da inteligência brasileira em sete volumes elevados ao nível do cânone pela inteligência brasileira – esticou as canelas em 2010 – não pegou leve com o poeta gaúcho quando assestou seu olhar de águia para o lado dele. E há quem compare a literatura de Carpinejar a livros de auto-ajuda.
A favor de Carpinejar posso dizer que ter levado umas broncas do mestre Martins não é lá tão grave assim. Num pequeno ensaio em que trata dum livro de crônicas de Ignácio de Loyla Brandão, Martins comete o disparate de asseverar que as tais estão entre as melhores jamais escritas no Brasil.
Do que peço vênia para discordar. Brandão é um dos mais chatos, dos mais previsíveis, dos mais convencionais, dos menos ambiciosos, dos menos criativos homens das letras deste país.