O que não aconteceu

O tempo parou. O que sobrara de sua passagem transitou em diluição no prazo previsto, se dissipando na sombra além da janela e ascendendo ao céu límpido e escuro.
Nenhum pensamento passava na cabeça de nenhum dos presentes na sala daquele bar.
O aroma da cerveja barata e do fumo violava insensivelmente olfatos e pulmões.
Alta madrugada, um homem, vestindo apenas camisa apesar do frio incômodo, entrou. Se dirigiu ao balcão enquanto observava as putas a aguardar em pé contra uma parede.
O homem estudou perdidamente uma loira gorda e baixa, que se apressou a mostrar que não vestia peça de roupa alguma debaixo da saia e da blusa.
Ao seu lado, uma negra arremessou o pé direito na parede num potente coice de apatia e o homem se pôs a analisar os seios desnudos duma garota que parecia ser ainda virgem.
Sendo o quarto número 1 correspondente ao primeiro amor, se dirigiram ao terceiro, onde a cama já estava ocupada por três: duas fêmeas e um macho.
Nos quartos restantes não foi diferente e a menina de cabelos castanhos o levou a um coberto nos fundos do bar e eles se deitaram numa esteira cinza, estreita e comprida em meio a caixas de bebida e velhos móveis amontoados.
O mundo ao redor permaneceu intacto. Assim como as consciências e as loucuras.
O homem teve um orgasmo sentindo-se um leão. A garota sob ele, uma gaivota. Estava orgulhoso. E desesperado por não saber o que queria.
Segurou os dois pulsos da menina, a erguendo da esteira, e com um olhar pessimista a apreciou como o que de mais belo já tivera nas mãos sem saber o que fazer da imensa beleza.
O dia nasceu. Estavam de costas um para o outro. O homem pensou vagamente em prometer a si mesmo que nunca mais haveria de ter outro orgasmo. Vendo a expressão do rosto dele, a garota fez um gesto. Podia masturbá-lo. Abriu as pernas querendo acordar o interesse dele.
O homem calçou os sapatos. Se levantou. Puxou as calças. Foi embora.
O mundo ao redor permaneceu parado, cúmplice.

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